quarta-feira, 25 de novembro de 2009

SILÊNCIO CÚMPLICE

Omar Nasser Filho*

Era uma manhã ensolarada do dia 16 de janeiro de 2009. As notícias dos ataques israelenses, que se seguiram a dois anos de feroz bloqueio, ainda não tinham alterado significativamente a rotina da família Al-Jarah. Mohammad, Ahmed, Wahid e Nur tomavam tranquilamente seu café da manhã no jardim de casa, na cidade de Gaza.

Não imaginavam que, em frações de segundos, suas vidas seriam, literalmente, despedaçadas por um míssil disparado de um avião não tripulado israelense.

Num átimo, uma família palestina inteira havia sido destroçada. "Nós encontramos Mohammad deitado ali, cortado ao meio. Ahmed estava dividido em três partes. Wahid estava totalmente queimado – seus olhos tinham ido-se.

Nur havia sido decapitada”, conta ao jornal britânico The Guardian um dos sobreviventes, Munir Al-Jarah, que está vivo por ter, naquele exato momento, se dirigido ao interior da habitação. Outra sobrevivente foi Fatheya, de 17 anos, que dormia em seu quarto naquele fatídico momento.

Durante os 23 dias de ataque contra a Faixa de Gaza – considerada o maior campo de concentração do mundo, onde 1,6 milhão de pessoas dividem um território de 450 quilômetros quadrados – 1.380 palestinos morreram, dos quais 431 crianças.

Os dados são da Organização Mundial da Saúde. Civis foram assassinados quando buscavam proteção em prédios da ONU, que, pela Lei Internacional, deveriam estar imunes a tiros de artilharia. Em seus ataques, o exército e força aérea israelenses usaram armamento proibido, como bombas de fósforo e de dispersão.

Estes fatos são, infelizmente, apenas parte da tragédia de um povo que há, pelo menos 60 anos, vem assistindo, diariamente, à invasão militar, ocupação e colonização de sua terra milenar. Inicialmente vítimas da ação de grupos terroristas judaicos como Lehi, Irgun, Stern, Palmach e Haganah, hoje são vítimas do terrorismo de estado: uma imensa estrutura militar voltada para a repressão e opressão de um povo que luta, apenas, pelo direito de existir na terra que há milênios é sua.

Sua tragédia foi corroborada pela ONU, que em 1948 aprovou um injusto plano de partilha da Palestina: aos árabes, que eram 68% da população total de 1,8 milhão de habitantes (ou 1,2 milhão de pessoas), foi destinado 45% do território; aos judeus, que respondiam por 31% da população total (553,6 mil indivíduos) foi entregue 55% da área. Um plano tão iníquo, certa e imediatamente contou com a crítica e a recusa árabes.

Nenhuma pergunta sobre estes temas foi colocada ao presidente Shimon Peres quando de sua recente visita ao Brasil. Silêncio cúmplice e criminoso imperou. Suas decisões como primeiro-ministro em 1996, quando ordenou, no dia 18 de abril, o ataque às instalações da ONU na aldeia libanesa de Qana, no qual 106 civis morreram – muitos deles crianças e mulheres – não foram questionadas.

O fato de Israel, que aponta o dedo acusadoramente contra o Irã, não ser signatário do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, não permitir a inspeção da Agência Internacional de Energia Atômica e possuir bombas nucleares há décadas passou ao largo de sua visita.

Uma pretensiosa “intelectualidade” que se supõe defensora dos direitos humanos preferiu, eivada de boa dose de preconceito, criticar a vinda ao país do presidente re-eleito da República Islâmica do Irã, Mahmud Ahamdinejad, mandatário de uma nação com Produto Interno Bruto de R$ 1,4 trilhão (ou US$ 848 bilhões), o 17º do mundo e o maior do Oriente Médio. Um país amigo, soberano e com o qual o Brasil tem amistosas relações econômicas, culturais e políticas.

A República Islâmica do Irã não tem um só soldado seu invadindo território estrangeiro e não dispara um tiro sequer para oprimir minoria alguma, em qualquer lugar do mundo. Pelo contrário, tornou-se refúgio de milhares de iraquianos e afegãos que fugiram da opressão em suas terras natais.

Cristãos e judeus têm assento garantindo no Parlamento, que conta, na atual legislatura, com oito mulheres, deputadas eleitas pelo voto popular. O Ministério da Saúde é comandado por uma mulher, a ginecologista Marzieh Vahidi Dasjerdi.

Esperamos que, a partir desta importante visita, o relacionamento do Brasil com a República Islâmica do Irã frutifique em acordos de cooperação nas áreas da educação, saúde, aeroespacial e nuclear. Que muita desinformação seja eliminada. E que aprendamos, com este povo milenar, a respeitar o diferente, ouvir o próximo e a combater o preconceito.

* Omar Nasser Filho é jornalista, economista e mestre em História pela Universidade Federal do Paraná. É co-autor do livro “Um diálogo sobre o Islamismo”, editado em 2003 pela Criar Edições. O artigo foi extraído do site IBEI.

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