quarta-feira, 16 de abril de 2008

BUSH, BENTO 16 E O ISLÃ

Um papa conservador e anti-islâmico

Por Lejeune Mirhan*

Já comentamos nesta coluna aspectos da investidura no papado do então secretário de Estado do vaticano, à época João Paulo 2º, do Cardeal Joseph Ratzinger, um dos assessores mais conservadores e de direita de Karol Woytila. Não é sobre isso que iremos tratar hoje em nossa coluna.

O Islã, por certo, é das religiões mais sérias, combativas, tradicionais e respeitadas religiões em todo o mundo. Estatísticas confiáveis, divulgadas na semana passada pelo próprio Vaticano, dão conta de que os aderentes ao islamismo passaram os católicos em termos de número de seguidores em todo o planeta.

Coisa assim de 1,3 milhões de muçulmanos contra 1,2 milhões de católicos (se somarmos todos os que professam o cristianismo e suas diversas confissões, como os protestantes e evangélicos, estes chegam a dois bilhões de seguidores).

No entanto, desde o ataque às torres gêmeas dos Estados Unidos em Nova York em 11 de setembro de 2001, o Islã passa a ser um alvo mais direto dos ataques da direita estadunidense e dos chamados neoconservadores da turma de George W. Bush. Este presidente americano chegou a declarar à época que “chegava o momento de se formar uma grande cruzada contra o terrorismo”.

Ao usar o termo “cruzada, lembrou as grandes cruzadas dos séculos 10e 11 que foram formados pelos cristãos brancos europeus, sob o comando da Igreja e dos papas de então, para retomar, como se dizia, o santo sepulcro de Cristo das mãos dos infiéis, de mãos impuras, que eram os muçulmanos que dominaram Jerusalém por quase 1,3 mil anos, com um breve interregno do período mencionado, sob comando cristão.

De fato, Bush tem feito uma pregação raivosa contra os muçulmanos. Todos os que lutam na Palestina, Iraque e Afeganistão, países ocupados por forças estrangeiras (no caso da Palestina, pelos israelenses), sejam eles muçulmanos ou não, são chamados de terroristas.

Em várias partes do mundo, os muçulmanos são perseguidos e discriminados. A Europa vem se fechando cada vez mais aos imigrantes, especialmente os muçulmanos.

Agora mesmo, no último final de semana, venceu as eleições pela terceira vez e voltará a ser primeiro ministro, o direitista Sílvio Berlusconi, magnata das comunicações. Uma de suas primeiras declarações públicas após a vitória foi de que endurecerá cada vez mais o controle de fronteira, especialmente com muçulmanos.

A neta de Benito Mussolini, eleita novamente deputada na lista eleitoral da direita, Alessandra Mussolini, deu recente entrevista onde usa o termo “islã invasor”, em uma clara alusão ao endurecimento e fechamento de fronteiras.

Será neste contexto que o papa Bento 16 chega aos Estados Unidos. Vai enfrentar uma Igreja enfraquecida, que, aliás, nunca foi mesmo muito forte em um país fortemente protestante.

Mas vai encontrar uma Igreja envolta em crise de corrupção, denúncias de pedofilia, quebrada financeiramente por causa de pesadas indenizações pagas a pessoas molestadas pelos seus padres e bispos.

Mas, mais do que isso, o papa vai em missão política. Somará a sua voz ao da direita americana contra os muçulmanos. E não fará isso pela primeira vez. Já foram três os episódios mais recentes, em menos de três anos de pontificado, que Ratzinger terá provocado os muçulmanos.

Agora mesmo em maio, batizou de forma pública, ostensiva e provocadora, um ex-muçulmano, jornalista conceituado e muito lido na Europa, ao cristianismo, em uma clara provocação os muçulmanos.

Há dois anos, em um discurso na Alemanha deixou claro uma declaração de um imperador bizantino do século 15, onde este afirmava que a religião islâmica cresceu sempre na base da espada, dando a entender que o Islã é uma religião guerreira (como se a católica nunca tivesse usado a espada durante a história para a sua expansão).

A cruzada anti-islã, ao qual democratas e patriotas, lutadores do povo e sociais não devem se somar, vai ganhar reforço com essa visita do papa à George Bush, que fez questão de receber Bento 16 no aeroporto, em efusivas demonstrações de identidades. Dois direitas, eles sabem o que fazem e se entendem perfeitamente. Coisa boa não deve sair dessa reunião.

*Lejeune Mirhan, sociólogo da Fundação Unesp, arabista e professor. Presidente do Sindicato dos Sociólogos, membro da Academia de Altos Estudos Ibero-árabe de Lisboa e da International Sociological Association


11 DE SETEMBRO BENEFICIOU ISRAEL

Os ataques de 11 de setembro e a guerra ao Iraque foram benefícos para Israel. Esta afirmação é do líder do partido Likud, Benjamin Netanyahu, e foi divulgada hoje (16) pela mídia israelense.


"Nós estamos tirando proveito de uma coisa que é o ataque sobre as torres gêmeas e o Pentágono, e a luta dos Estados Unidos no Iraque", publicou o jornal Maariv citando Netanyahu.

Falando em uma conferência na Universidade Bar Ilan, Netanyahu foi além e disse que estes eventos contribuíram para trazer "a opinião pública norte-americana" para o lado de Israel.

As declarações de Netanyahu coincidiram com as do presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad que classificou, hoje, de "evento suspeito" a não divulgação da lista de mortos nos ataques contra as torres gêmeas em Nova York, em 11 de setembro de 2001.

Discursando para uma multidão em um evento na cidade sagrada de Qom, o líder iraniano disse que o 11 de setembro foi usado como pretexto para assassinar centenas de milhares de pessoas no Iraque e no Afeganistão.

Recentemente, Irã e Israel trocaram ameaças de que vão se destruir mutuamente caso um venha a atacar o outro.

A afirmação de Netanyahu me fez lembrar do ex-secretário de Estado norte-americano, Collin Powel, quando disse que a política externa dos Estados Unidos vai ser movida levando em consideração os interesses de Israel.

Nem toda a verdade sobre o 11 de setembro foi contada. E tão cedo a verdade não vai aparecer. A única verdade irrefutável até agora e admitida pelos próprios sionistas é a de que o 11 de setembro beneficiou Israel e também os Estados Unidos, país que ganhou licença para matar sem se preocupar em ser condenado ou punido.


quarta-feira, 9 de abril de 2008

GENOCÍDIO CULTURAL

O blog Leitura Franca publica na íntegra o artigo do embaixador cubano no Iraque na época da invasão deste país, Ernesto Gómes Abascal*, em que relata os crimes cometidos contra o patrimônio cultural iraquiano, após a queda de Bagdá, em 9 de abril de 2003.

Este artigo foi publicado no início deste mês pela revista cubana La Jiribilla, e foi extraído do site Portal Vermelho (www.vermelho.org.br).

GENOCÍDO CULTURAL

"Domingo, 13 de abril de 2003 tinham cessado os combates em Bagdá, ainda que de quando em vez se ouvissem explosões e tiros isolados, e na obscuridade da noite do terraço da nossa embaixada, ponto de observação escolhido a partir da ocupação da cidade pelas tropas estadunidenses, víamos os incêndios que contrastavam com a total falta de energia eléctrica.


Seriam cerca das 21 horas, quando no refúgio que tínhamos preparado com um metro de profundidade no pátio da embaixada em Bagdá, tocou o telefone via satélite com que mantínhamos contacto com Cuba e outros locais. Quando atendemos, uma voz respondeu-nos: "um momento, vai-lhe falar o Comandante".


Desde o início dos criminosos ataques estadunidenses estávamos a receber estas chamadas que, além de mostrarem preocupação pela nossa situação e nos perguntarem detalhes tão inesperados como o que tínhamos comido ao café da manhã nesse dia, nos crivavam de perguntas sobre a situação militar, o que observávamos nas nossas passagens pela bombardeada cidade, as nossas previsões sobre possíveis desenlaces, etc. Naturalmente, preparavamo-nos antecipadamente para tais interrogatórios, ainda que por muito que o fizéssemos, sempre nos perguntava qualquer coisa que não tínhamos previsto.


Esse dia 13 (e eu não acredito em superstições) foi um deles. Estava reunido em Havana com representantes do setor cultural e ao que parece como tinha já feito em anteriores ocasiões quando conseguia falar para nós, alargava a participação — através da amplificação do som — a todos os presentes na reunião. Com a sua grande sensibilidade, Fidel estava preocupado com as notícias que chegavam sobre a destruição e o saque de importantes centros culturais e históricos, e as suas perguntas eram dirigidas para esse tema, apesar de nós quase não termos informação sobre isso. Foi no dia seguinte, quando demos as nossas voltas pela cidade que pudemos comprovar, se bem que de forma limitada, a dimensão do desastre, ao ver incendiados os o moderno Teatro Nacional no centro da cidade, a Biblioteca Nacional, a Casa da Sabedoria, o Museu Nacional de Artes…


O inventário mais detalhado feito depois por especialistas especifica a verdadeira magnitude da tragédia e faz-nos refletir sobre as razões deste genocídio cultural:


• Foram queimados ou destruídos mais de um milhão de livros na Biblioteca Nacional, incluindo textos e originais de incalculável valor como as Mil e Uma Noites Árabes, Tratados Matemáticos de Omar Khayyan, Tratados filosóficos de Avicena e outras obras de sábios criadores como Avenroes, al Kindi e al Faribi. Documentos básicos da história da Civilização, a origem da cultura e do homem. Na Mesopotâmia, que significa "terra entre dois rios", está Kurna onde, de acordo com as lendas bíblicas, esteve o paraíso terrestre; de Ur, cidade da Caldéia, partiu Abraão, patriarca das religiões monoteístas; Em Mosul está a de Noé.


• Num piso superior do edifício da Biblioteca, ardeu o Arquivo Nacional e com ele boa parte da memória do país.


• Do Museu Arqueológico de Bagdá foram roubados mais de 15 mil objetos de valor, testemunhos únicos.


• A Biblioteca Corânica foi queimada, transformando em cinzas documentos de inestimável valor religioso.

Os bombardeios nos dias anteriores à ocupação já tinham destruído ou danificado locais de grande valor histórico que são patrimônio da humanidade, como as ruínas da Babilônia, o edifício da Universidade de Mustansiriya, etc. Esse foi, apenas, o início da tragédia.


Depois, a partir da entrada dos ocupantes em Bagdá, viria o pior. Sob o olhar complacente dos invasores e violando as disposições que os obrigavam a proteger o patrimônio cultural do país ocupado, iniciou-se o roubo, o saque e um incêndio generalizado, que provocou, talvez, a maior destruição cultural da história. Houlagou, o bisneto de Gengis Khan fez uma coisa parecida em 1258, quando destruiu Bagdá e lançou uma tal quantidade de livros nas águas do Tibre, que estas ficaram negras pela quantidade de tinta e, dizia-se, podia atravessar-se o rio caminhando sobre elas… O mongol teria sentido inveja ante o espetáculo dantesco de agora.


Mas não se ficou por aqui. Hoje, de acordo com estimativas dos organismos especializados das Nações Unidas, 84% das Instituições de Educação Superior foram destruídas ou saqueadas. Desde o início da guerra, 825 docentes universitários foram assassinados e o número cresce todos os meses. Centenas de profissionais tiveram de fugir para outros países e não é pequeno o número dos desaparecidos.


Só no passado mês de Janeiro, foram assassinados Munther Murjej Rahdi, decano da Faculdade de Odontologia da Universidade de Bagdá, Aziz Sulaiman e Jalil Ibrahim A. al-Naimi, professores da Universidade de Mosul. Esquadrões da Morte que obedecem aos EUA e Israel parecem estar por trás destes crimes.


Calcula-se que 10 mil estações arqueológicas foram saqueadas em todo o território iraquiano.


Até à primeira guerra do Golfo, o Iraque era o país com maior potencial técnico e econômico da região árabe e tinha alcançado assinalável desenvolvimento. O seu sistema educativo era o mais adiantado, o de nível mais elevado. Caracterizava-se pelo seu laicismo e pela ausência de fanatismo. As suas reservas de petróleo e gás colocavam-no em segundo lugar mundial.


Tudo isto o converteu no centro de interesse e da cobiça da pandilha neofascista e sionista que predomina no governo de Washington, que o viram como a maior e mais importante potencial ameaça para os seus interesses hegemonistas no Oriente Médio e como uma presa muito apetecível. A guerra foi concebida não apenas como meio de ocupação e dominação, mas também como uma acção premeditada para destruir a cultura nacional, apagar a sua identidade e o seu patriotismo, erradicar a memória histórica e liquidar as instituições que lhe serviam de suporte. Os fatos traduzem também uma importante quota de ódio aos valores islâmicos e, apagando a cultura também pretendem apagar o futuro dos iraquianos. Quiseram dar um castigo exemplar e, mesmo que não possam dominar o povo iraquiano, persistirão no objetivo de o dividir, de o destruir. Veremos se o conseguem."


*Diplomata, embaixador de Cuba em Bagdá durante a invasão e ocupação militar do Iraque pelas tropas dos EUA e Reino Unido em 2003.