quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

ISRAEL, FATOR DE DESESTABILIZAÇÃO DO ORIENTE MÉDIO

* Lejeune Mirhan

Tal qual a semana passada, refleti muito sobre o título desta coluna semanal. Cheguei a pensar em “Israel, o grande culpado dos conflitos”. Mas, não há que falar em culpas sobre massacres e genocídio, que isso, setores lúcidos da sociedade sabem bem que papel Israel joga. Hoje se trata de concluir que Israel, seguindo com seu direito de continuar existindo, acaba tornando-se um fator de profunda desestabilização de toda a região do Oriente Médio, que sempre viveu em paz por milênios.

Algumas citações interessantes

Como faço cotidianamente há quase três décadas, estudo sistematicamente o mundo árabe (tendo estudado inclusive a língua na USP, ainda que não a domine). No entanto, desde 27 de dezembro, tenho redobrado minhas leituras, análises, sejam elas de livros, artigos em revistas e, principalmente, o que me chega pela Internet.

Há coisas excelentes que vem sendo produzidas por intelectuais há muito comprometidos com a causa palestina, que vêm furando o forte bloqueio que a mídia vem fazendo, na sua vã tentativa de manipular consciências dos cidadãos.

Quero começar esta coluna semanal com quatro citações que vão nos ajudar no encadeamento do meu raciocínio para o artigo semanal. Vamos a elas:

Boaventura de Souza Santos, sociólogo: afirma existirem quatro fortes razões para que Israel esteja fazendo esse massacre indiscriminado contra os palestinos: 1. Recuperação do prestígio eleitoral da coligação governista perdido por várias razões; 2. Exército de Israel sedento por vingar-se da derrota acachapante sofrida no Líbano em julho de 2006, quando tentou – sem sucesso algum – eliminar o Hezbolláh (como faz hoje com o Hamas); 3. Vazio da transição política nos EUA e 4. Necessidade de criar um fato consumado antes da posse do novo presidente democrata dos Estados unidos (artigo “Réquiem por Israel”, publicado no site Carta Maior);

Edward Said, professor de literatura, palestino, falecido em 2003: escreveu certa vez que “Foi por causa da Intifada e porque os palestinos se recusaram a capitular diante dos israelenses que chegamos á mesa de negociação – e não apesar de tudo isso, como alguns insistem em dizer” (citado por Gílson Caroni, sociólogo em seu artigo “Gaza e os crimes de guerra de Israel”, recebido pela Internet);

Gilles Deleuze, filósofo francês: “Como os palestinos poderiam ser ‘parceiros legítimos’ em conversações de paz se não têm país? Mas como teriam país se seu país lhes foi roubado? Os palestinos jamais tiveram escolha, além da rendição incondicional. Só lhes ofereceram a morte. No conflito israelo-palestino as ações dos israelenses são consideradas retaliação legítima 9mesmo que seus ataques sejam desproporcionais) e as ações dos palestinos são, sem exceção, tratadas como crimes terroristas” (publicado no Le Monde em 7 de abril de 1978 – vejam que as coisas não mudaram em 31 anos!

Ben Gurion, primeiro Ministro de Israel, proclamador do Estado em maio de 1948: “… Porque haveriam os árabes de querer a paz? Se eu fosse um líder árabe nunca iria parlamentar com Israel. É óbvio: nós ocupamos a terra deles. É certo que Deus tinha-no-la prometido, mas que significa isso para eles? (...) Houve o anti-semitismo, os nazis, o Hitler, Auschwitz, mas que culpa tiveram eles? Os árabes apenas vêem uma coisa: que viemos para aqui, que roubamos as suas terras. Porque haveriam de aceitar tal coisa?...” Extraído de The Jewish Paradox, de Nathan Goldman, ex-presidente do Congresso Nacional Judaico.

Análise dos acontecimentos

No momento em que escrevemos esta coluna (dia 14, ás 18h), passam de mil os palestinos mortos. Grosso modo, quando eram ainda 900 e grupos de direitos humanos que contam mortos e corpos (como os que existem no Iraque), falavam em quase 300 crianças, maioria menores de 12 anos.

Em termos gerais, podemos dizer que de cada três palestinos mortos (assassinados por Israel), uma é criança, uma é mulher e a terceira pessoa é um homem, dos quais metade deles são idosos. Quando a conta eram 900 mortos, números redondos eram 300 crianças, 300 mulheres e 300 homens, dos quais 150 idosos. Assim, um em cada seis apenas é homem em idade de combate e pode – ou não – ser ligado ao Hamas.

Por isso, sempre dissemos desde os primeiros momentos do genocídio dos palestinos perpetrados pelos nazi-sionistas (expressão cunhada pelo meu colega Laerte Braga), que o massacre e os ataques não são e nunca foram contra o Hamas, mas sim isso sempre foi um ataque contra o povo palestino em geral.

A raiz de todo o problema é Israel e sua elite governante, qualquer que seja o partido. E a situação começa há mais de 20 anos ou até antes. Desde que a OLP reconheceu o Estado de Israel em 1988, sob a liderança de Yasser Arafat, todos os governos de turno em Israel fizeram de tudo para desacreditá-lo, desmoralizá-lo, denunciá-lo como homem milionário e corrupto. Não queria negociar com Arafat. Chegou até a incentivar a criação do Hamas, grupo que não é xiita, mas sim sunita, mas surgiu contestando a liderança do Fatah, partido de Arafat.

Com a desmoralização do Fatah, com seu descrédito continuado, as eleições parlamentares de janeiro de 2006 foram vencidas – de forma retumbante – pelo Hamas, partido político e religioso ao mesmo tempo, que presta imensos serviços para a população pobre na Faixa de Gaza, que tem lideranças com imagem de incorruptíveis etc.

Da imensa maioria da população não se pode dizer que eles tenham identidade com os métodos, com a política do Hamas, de não reconhecer Israel (esta em sua carta de fundação). Votou-se esmagadoramente no Hamas pela mudança, pela renovação, pela dita “fadiga de material”, muito comum em entidades, sindicatos, com parlamentares. O povo se cansa, quer simplesmente fazer a troca, renovar, dar novas chances para novas pessoas e partidos, com novas idéias e propostas.

Aqui reside o maior de todos os erros de Israel e de seu governante de turno à época (Olmert): não reconhecer nem o grupo vitorioso, o Hamas, nem a sua vitória e seu posterior governo formado, com ministro em sua maioria não filiados ao grupo (intelectuais, técnicos competentes e até membros do Fatah). Mais do que não reconhecer, Israel, que já tinha desocupado a Faixa de Gaza em 2005, decide impor o mais odioso dos boicotes à gaza, asfixiando a sua população, impedindo o livre trânsito de mercadorias, remédios, alimentos.

Mesmo a água, corta-lhes sistematicamente o fornecimento (Gaza com 1,5 milhão de moradores tem acesso a mais ou menos 115 milhões de litros e todos os judeus nos assentamentos na Cisjordânia, em torno de 400 mil apenas, tem acesso a mais de 450 milhões de litros!).

Quem quer o caminho da paz que deveria fazer naquele momento? Chamar o novo governo, as novas lideranças para conversações, para negociação do chamado Mapa do Caminho (já colocado à época há pelo menos dois anos na mesa). Deveria negociar com o Fatah, com o Hamas e com os grupos menores como o Jihad, PPP, FDLP e FPLP. Mas não. Preferiu o confronto, as provocações, os bombardeios, a asfixia e a morte de palestinos inocentes.

Israel vem perdendo espaço entre os intelectuais, por mais que ainda sejam centenas os que defendem as suas atitudes, os ataques e bombardeios, sob o surrado mantra de que esse país tem o direito de se defender (sic). Me chamou a atenção o artigo do escritor conservador peruano, Mário Vargas Llosa, dizendo-se sempre apoiador de Israel, mas que agora se coloca contra as brutalidades e que Israel perderá a guerra, nem que seja do ponto de vista moral e sairá moralmente derrotada com o que vem fazendo. Para mim uma grata surpresa essa opinião, vindo da boca dele.

Uma esdrúxula comparação

Parece que a mídia grande fala em coro. Uma orquestra afinadíssima. Ninguém quase destoa. Os canais, rádios e jornais que destoam, são pequenos, não repercutem ou não mudam o perfil da cobertura midiática pró-Israel que vem sendo feita de forma descarada. Há pelo menos quatro mantras que vem sendo repetidos à exaustão, que acabam passando como verdade. Vi muitos colegas meus, sociólogos razoavelmente esclarecidos, repeti-los, ainda que desavisadamente. Introjeta-se em suas consciências essas ditas verdades, que passam a ser reproduzidas. Cidadãos tornam-se papagaios das elites sionistas e seus amigos e aliados.

Essas quatro “verdades” (mentiras) que são ditas, reunidas pelo colega Laerte Braga, são elas: “é legítimo o direito de Israel se defender”; “os atos do Hamas são atos terroristas”; “civis israelenses são vítimas de foguetes do Hamas” e “Israel tem o direito de existir” (divino? Sagrado? Seriam um povo eleito, escolhido por Deus? Poderiam cometer então as atrocidades que comete?). O que não se diz é que Israel prende e tortura milhares de palestinos; suas mulheres são sempre estupradas pelos soldados israelenses; suas casas são demolidas por tratores da Catterpilar (chamados de Buldozzers, um desses que matou a ativista americana pró-palestina, Rachel Corrie); que sua água (e energia), são sempre cortadas; que impõe bloqueio que faz faltar o básico de comida e remédio aos palestinos; que fazem assassinatos seletivos de líderes palestinos; que saqueiam casas palestinas; que Israel destrói a sua já pequena economia palestina e por fim, que segue firme o processo de colonização de terras palestinas.

Até quando a mídia, os governos e muitos intelectuais seguirão chamando o Hamas, um partido político eleito democraticamente e legitimo representante dos palestinos, de “terroristas”? Até quando os comentaristas e âncoras de TVs e rádios, editores e colunistas continuarão chamando Israel de um “estado democrático, o mais democrático do Oriente Médio”?

Foi publicado em alguns jornais – e os recebo por e-mail – declarações de porta vozes de Israel, fazendo uma esdrúxula comparação. Ninguém menos do que o próprio Obama, então candidato em fevereiro do ano passado, caiu nessa ladainha. Trata-se do seguinte exemplo: imagine que você seja um vizinho muito forte, com família também forte e poderosa. Seu vizinho ainda que fraquinho, joga pedras diariamente em seu telhado, nos seus vidros, nos seus filhos e isso os incomoda, os deixa “aterrorizados”, ainda que não lhe cause dano algum. Num belo dia, por mais pacífico que você seja, usará sua força para despejar um caminhão de pedras no seu vizinho fraco, para “dar-lhes uma lição” e para que deixe de fazer isso.

A questão muito simples e o grave erro nessa comparação é que não se diz o principal. Não se conta que o terreno em que a casa do vizinho forte (Israel), foi roubada do vizinho fraco, pois lhe pertencia há muito tempo. Na se fala que os fortes, no decorrer dos anos fizeram prisões, estupraram, mataram, humilharam. Portanto, não são e nunca foram santos (veja o que disse e confessou abertamente Ben Gurion em citação acima, de que roubaram mesmo as terras dos árabes).

Como diz o colega sociólogo Boaventura de Souza Santos, da Universidade de Coimbra em Portugal, o processo de ocupação da Palestina faz parte do talvez último grande projeto colonial perpetrado pelas nações européias, em um momento particular de sua história, após terem sido assassinados mais de seis milhões de judeus. Uma forma de unir o útil ao agradável. Expiar a sua culpa por essas mortes, tentando reparar o povo judeu, dando-lhe terras que não pertenciam aos europeus. Entre novembro de 1947 e maio de 1948 – seis meses apenas – deslocaram 750 mil palestinos foram violentamente deslocados de suas terras, exilados, banidos, desterrados, humilhados. Suas casas foram roubadas e passaram a viver em barracas de lona em desertos de 45 graus de temperatura na sombra. Esse é o projeto colonial europeu, em aliança com os sionistas.

Algumas palavras finais

Recentemente o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou a abertura de um processo para enquadrar Israel em crimes de guerra. Mas, pelos estatutos da Organização, isso deveria passar pelo crivo do Conselho de Segurança. Teve o veto dos Estados Unidos e a abstenção de diversos países europeus, amigos de Israel. Lamentável isso.

Vejam que interessante. Nunca se provou que o Iraque à época de Saddam possuía armas de destruição de massa, alegação essa que justificou a invasão de 2003 e gastos que já ultrapassam a um trilhão de dólares. No entanto, esta provado que Israel bem bombardeando os palestinos com balas de tungstênio, de urânio empobrecido e até bombas de fósforo branco, que queimam e aumentam a temperatura local. Todas essas armas são banidas pela ONU, mas usadas diariamente por Israel.

Recentemente um relatório do Comissariado das Nações Unidas apontou que no dia 4 de janeiro o exército de Israel mandou que cerca de cem palestinos ficassem em uma casa imensa, sob a alegação de que suas casas na vizinhança seriam bombardeadas. Poucas horas depois de estarem nesse abrigo, ele foi atacado pelos F-16 – avião mais moderno do mundo fabricado nos EUA – onde morreram instantaneamente mais de 40 pessoas. Um crime de guerra.

Como prova de parcialidade da mídia, os jornalões brasileiros enviaram correspondentes para a região do conflito. Estadão, Folha e O Globo lá estão com seus jornalistas enviando seus despachos, sem que dependam das agências noticiosas. Não faz muita diferença. Todos falam a mesma linguagem. O que mais impressiona neste momento – talvez a mais cabal das provas de que os jornalistas são parciais e pró-Israel, é a correspondente do jornal da família Marinho, Renata Malkes.

Vem circulando na net que essa cidadã tem cidadania israelense. Trabalhou anos em Israel, em uma TV e mantinha um blog seu, onde chamava simplesmente os palestinos de “Burros e idiotas”. Essa sionista até serviu, pelo que circulou na Internet, no exército de Israel. Tratou de eliminar o seu blog, apagar rastros, desde que O Globo a enviou como correspondente em Israel. Mas, a Internet tem dessas coisas de boas. Já foi recuperado os arquivos, postagens, cartas etc. que ela produziu podem ser lidos no http://cloacanews.blogspot.com/ o famoso Cloaca News. Boa leitura.

*Lejeune Mirhan, Presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, Escritor, Arabista e Professor Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa, Membro da International Sociological

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