terça-feira, 30 de junho de 2009

O QUE REALMENTE ACONTECEU NAS ELEIÇÕES DO IRÃ?

Por Esam Al-Amin*

Depois das eleições de 12 de junho no Irã, começaram a brotar 'especialistas' em Irã, como bactérias em placa de Petri. Então... lá vai um teste, para esses especialistas instantâneos. Que país, dentre os grandes, elegeu maior número de presidentes em todo o planeta, desde 1980? Outro teste: que nação é a única que elegeu dez presidentes, ao longo dos primeiros 30 anos depois de ter feito revolução democrática?

Nos dois casos, a resposta certa é: o Irã. Desde 1980, o Irã elegeu seis presidentes; os EUA, só cinco; a França, parcos três. Nas três primeiras décadas de vida da revolução iraniana, houve dez eleições presidenciais no Irã; nos trinta primeiros anos da Revolução norte-americana, houve quatro eleições presidenciais; no Irã, dez.

As eleições iranianas uniram esquerda e direita ocidentais, numa mesma onda frenética de críticas e ataques, de políticos 'ultrajados' e da mídia corporativa 'indignada'. Fenômeno até agora raro, também a blogosfera cerrou fileiras de opinião absolutamente uniformizada – e favorável à oposição iraniana.

De fato, todas as 'acusações' de fraude foram 'declarações', sem qualquer confirmação. Até agora, ninguém apresentou qualquer fiapo de evidência de qualquer tipo de fraude nas eleições iranianas. E, isso, sem considerar que seria preciso provar fraude em enormíssima escala, a ponto de ter feito sumir 11 milhões de votos de diferença entre o candidato eleito e o candidato derrotado.

Analisemos, então, o que haja de evidências, até agora.

Antes das eleições, houve mais de 30 pesquisas de intenção de votos, desde que os dois principais aspirantes à presidência – o presidente Máhmude Ahmadinejad e o ex-primeiro-ministro Mir Hossein Mussavi – oficializaram suas candidaturas, em março de 2009. Os resultados variaram, é claro; e várias das empresas que patrocinaram essas pesquisas – por exemplo, Iranian Labor News Agency e Tabnak – não fizeram segredo de que apoiavam Mussavi, candidato de oposição, ou seu chamado "movimento por reformas".

Muitas pesquisas foram visivelmente manipuladas e em algumas delas Mussavi aparecia com vantagem absolutamente inverossímel de mais de 30% dos votos. Excluídas essas pesquisas que confessadamente só tiveram função de propaganda, a vantagem a favor de Ahmadinejad chegava, em média, a cerca de 21 pontos. Jamais, em nenhuma das pesquisas, surgiu sequer alguma possibilidade de as eleições chegarem a ter 2º turno (previsto, é claro, na legislação iraniana).


Por outro lado, houve apenas uma pesquisa feita por empresa ocidental, encomendada pelas redes BBC e ABC News, e realizada por instituto independente, o Center for Public Opinion (CPO) da New America Foundation. The CPO é empresa bem conceituada, não apenas no Irã, mas em todo o mundo muçulmano desde 2005. Essa pesquisa, realizada poucas semanas antes das eleições, previu comparecimento às urnas de 89% dos eleitores. Além disso, mostrou que Ahmadinejad estava em vantagem de 2 para um votos, à frente de Mussavi.

Que relações há entre esses números de pesquisa e os resultados divulgados? E que possibilidade há de ter havido fraude em grande escala?

Segundo os resultados oficiais, há 46,2 milhões de eleitores registrados no Irã. Houve comparecimento recorde – e que a pesquisa do CPO previra que aconteceria. Quase 39,2 milhões de iranianos votaram, 85% do total de eleitores inscritos, com 38,8 milhões de votos válidos (houve cerca de 400 mil votos em branco). Oficialmente, o presidente Ahmadinejad recebeu 24,5 milhões de votos, contra 13,2 milhões para Mussavi (62,6% e 33,8% do total de votos, respectivamente).

De fato, praticamente a mesma porcentagem de votos que nas eleições de 2005, quando Ahmadinejad obteve 61,7%, contra os votos dados ao presidente Hashemi Rafsanjani (35,9%). Dois outros candidatos, Mehdi Karroubi e Mohsen Rezaee, receberam o restante dos votos.

Pouco antes de serem oficialmente anunciados os resultados, os apoiadores de Mussavi e os jornais e televisões da mídia ocidental, começaram a gritar e acusaram o governo de ter cometido fraude eleitoral. As acusações organizaram-se em torno de quatro temas. Primeiro, quando o horário das eleições foi prorrogado por algumas horas, dado o inesperado altíssimo comparecimento de eleitores, disseram que o resultado teria sido anunciado antes de ter sido possível contar os votos, com alegados 39 milhões de votos ainda por apurar.

Segundo, os mesmos críticos insinuaram que os apuradores não eram confiáveis, e que a oposição não pudera manter fiscais durante a apuração dos votos. Terceiro, disseram que seria impossível acreditar que Mussavi, nativo da região do Azerbaijão, região no noroeste do Irã, tivesse perdido as eleições até em sua cidade natal. Quarto, que o campo de Mussavi teria descoberto que, em algumas sessões eleitorais, teriam acabado as células, e muita gente voltou para casa sem ter podido votar.

Dia seguinte, Mussavi e dois outros candidatos derrotados apresentaram 646 queixas formais ao Conselho dos Guardiões, entidade encarregada de supervisionar a integridade das eleições. O Conselho comprometeu-se a investigar a fundo todas as queixas.

Logo na manhã seguinte, apareceu uma carta que teria sido redigida por um funcionário do ministério do Interior e dirigida ao Aiatolá Ali Khamenei, e que, em questão de algumas horas já era reproduzida em todo o planeta. (Atenção: só a mídia ocidental e alguns políticos insistem em escrever "Supremo Líder" para designar o Aiatolá Khamenei. A expressão "Supremo Líder" – nem esse 'título' hierárquico – existem no Irã.)


Naquela carta, 'alguém' (a carta não era assinada) declarava que Mussavi vencera as eleições e que Ahmadinejad seria o terceiro colocado. A carta também declarava que as eleições haviam sido fraudadas a favor de Ahmadinejad por ordem direta de Khamenei.

É muito mais provável que essa carta seja completamente falsa, do que que seja autêntica. Dentre outras evidências da falsificação, muitos já consideraram que nenhum funcionário de baixo escalão do ministério seria encarregado de escrever ao Aiatolá Khamenei para comunicar-lhe informação tão importante quanto o resultado das eleições.

Robert Fisk, jornalista do The Independent foi o primeiro a levantar dúvidas sobre a autenticidade daquela carta; também escreveu que sempre duvidaria de qualquer resultado em que Ahmadinejad aparecesse em terceiro lugar (com menos de 6 milhões de votos, em eleição tão importante), como informaria a carta falsa.


No total, foram distribuídas 45.713 urnas eleitorais para as cidades, vilas e vilarejos, em todo o país. Com 39,2 milhões de votos votados, foram menos de 860 votos por urna. Diferente de outros países, em que os eleitores podem votar em vários candidatos para vários postos numa única eleição, os eleitores iranianos só podiam votar em um único nome e só para a presidência. Por que seria preciso mais de uma ou duas horas para apurar 860 votos por urna? Apuradas as urnas, os resultados eram passados por internet para o ministério do Interior, em Teerã.

Desde 1980, quando o Irã sofreu a tragédia de uma guerra de oito anos com o Iraque, o Irã vive sob boicote e embargo, e enfrenta ainda os ecos de campanhas de assassinato de dúzias de políticos, de um presidente eleito e de um primeiro-ministro que representava, então, a Organização MKO (Mujahideen Khalq Organization). Essa organização é uma milícia armada e violenta, que tem sede e quartel-general na França e cujo único objetivo é derrubar o governo do Aiatolá Khamenei pelas armas.

Apesar de todas essas dificuldades e desafios, nenhuma eleição jamais deixou de ser realizada na data prevista na República Islâmica do Irã, ao longo dos últimos 30 anos. Houve 30 eleições nacionais. De fato, o Irã já tem (mais que muitos países em todo o mundo) longa tradição de eleições em boa ordem democrática. As eleições no Irã são organizadas, monitoradas e fiscalizadas por professores, profissionais liberais, funcionários públicos e aposentados (sistema semelhante ao dos EUA).

O Irã não tem tradição de fraudes eleitorais. Pense o 'ocidente' o que quiser, há no Irã mecanismos democráticos de eleger e cassar políticos, ministros e funcionários públicos corruptos.

A democracia iranana não é democracia cartorial. De fato, o ex-presidente Mohammad Khatami, considerado um dos principais reformadores e modernizadores do Irã, foi eleito presidente em eleições gerais e democráticas, em momento em que o ministério do Interior (que organiza as eleições) estava sob comando de partidos ultra-conservadores. E foi eleito com mais de 70% dos votos; não apenas uma, mas duas vezes.


No que tenha a ver com eleições, o verdadeiro problema não são possíveis fraudes, mas o acesso dos candidatos aos votos (problema que há, idêntico, em outros países; basta perguntar a Ralph Nader ou a qualquer candidato de partido pequeno, nos EUA). E altamente improvável que haja alguma conspiração que tenha envolvido dezenas de milhares de professores, profissionais liberais, funcionários públicos e aposentados (selecionados por sorteio, como mesários [como se faz no Brasil]) e que permanecesse completamente oculta e secreta.

Além do mais, Ahmadinejad é membro de um partido político muito ativo, que já venceu várias eleições desde 2003; e Mussavi é candidato independente que reemergiu para a vida política há apenas três meses, depois de 20 anos de ausência completa do mundo político. Claro que a campanha de Ahmadinejad foi campanha nacional; o candidato fez mais de 60 viagens de campanha por todo o país em menos de 12 semanas; Mussavi só visitou as cidades principais e não contava com aparelho de campanha muito sofisticado.

É verdade que nasceu e tem bases eleitorais nas regiões onde vivem os grupos da etnia azeri. Mas a pesquisa já citada aqui, do CPO, já informara, bem antes das eleições, que "apenas 16% dos iranianos azeri declararam intenção de votar em Mussavi; enquanto 31% dos azeris declararam intenção de votar em Ahmadinejad.” Segundo os resultados oficiais, a eleição foi mais apertada aí que no restante do país: Mussavi venceu por pequena margem no Azerbaijão Oeste, mas, no total, perdeu para Ahmadinejad, na província (45% dos votos para Mussavi; 52%, para o presidente; 1,5 milhão de votos, a 1,8 milhão de votos, respectivamente).

Seja como for, é espantoso o modo como as agências ocidentais de notícias manipularam as informações. Richard Nixon derrotou George McGovern em seu estado natal, South Dakota, nas eleições de 1972; se Al Gore tivesse vencido em seu estado natal, o Tennessee, em 2000, ninguém se teria de preocupar com recontar votos da Flórica, nem haveria o processo chamado "Bush versus Gore" na história da Suprema Corte dos EUA. Se John Edwards, candidato à vice-presidências, tivesse vencido nos estados onde nasceu e foi criado (Carolina do Sul e do Norte), teríamos hoje um presidente John Kerry iniciando seu segundo mandato.

Mas, ninguém entende por que, todos os jornais e jornalistas ocidentais parecem convencidos de que os cidadãos no Oriente Médio votam e elegem candidatos, não por suas idéias políticas, mas por alguma fatalidade da solidariedade tribal.

Nada há de excepcional no fato de que um candidato 'menor, como Karroubi, tenha tido menos votos do que esperava, mesmo em suas cidade e região natais. Muitos eleitores parecem ter percebido que não haveria 2º turno e converteram o 1º turno em único turno eleitoral. Karroubi de fato recebeu bem menos votos do que em 2005, também em sua cidade natal. O mesmo aconteceu a Ross Perot, derrotado em seu estado natal, o Texas, por Bob Dole, do Kansas, em 1996; e em 2004, a Ralph Nader, que recebeu apenas 1/8 dos votos que recebera quatro anos antes.

Alguns observadores anotaram que quando os resultados estavam sendo anunciados, a margem entre os candidatos jamais mudou. Nada há de misterioso nisso. Especialistas sabem que, quando 3-5% dos votos de uma dada região estão apurados, há 95% de probabilidade de que a relação entre os candidatos não se altere até o final da apuração.

Quanto à acusação de que faltaram células e os eleitores não puderam votar, vale lembrar que o horário de votação foi ampliado quatro vezes, para que a maior quantidade possível de eleitores votassem. De qualquer modo, ainda que votassem todos os que não puderam votar e todos votassem em Mussavi (o que é impossível, em termos probabilísticos), seriam mais 6,93 milhões de votos, que não alterariam as posições entre 1º e 2º colocados nem levariam a eleição para um 2º turno (a diferença final foi de 11 milhões de votos entre o 1º e o 2º colocados).


Ahmadinejad não é homem simpático. É provocador e, não raras vezes, é imprudente. Mas supor que a luta política no Irã esteja sendo disputada entre 'forças democráticas' e um 'ditador' é manifestar ignorância sobre a dinâmica interna da vida iraniana, ou distorcer deliberadamente os fatos.

Não há dúvidas de que há um segmento significativo da sociedade iraniana, habitantes das áreas metropolitanas, muitos jovens, que anseiam por mais liberdades sociais e pessoais. Estão compreensivelmente irados, porque seu candidato não foi eleito. Mas é erro de proporções gigantescas interpretar essa manifestação doméstica como alguma espécie de 'levante' contra a República Islâmica, ou como alguma espécie de 'clamor' para que a RI embarque em programa de concessões ao ocidente (por exemplo, no que tenha a ver com o programa nuclear).

Cada nação tem seu modo de se fazer entender. Quando a França de Chirac opôs-se à invasão do Iraque, em 2003, vários deputados norte-americanos foram a televisão, em ações de propaganda, declarando que as batatas fritas (em inglês "French Fries", "batatas francesas") passariam a ser chamadas "Batatinhas da Liberdade", para vingar a 'traição' dos franceses. Declararam que os franceses não seriam mais considerados bem-vindos nos EUA.

Os EUA têm triste imagem no Irã, de fato, desde 1953, por conta do golpe que derrubou o governo eleito de Mohammad Mossadegh. É golpe de que a maioria dos norte-americanos jamais ouviu falar, mas é tema da história nacional iraniana, ensinado na escola. Os iranianos detestam os EUA.

De fato, passaram-se 56 anos, até que, finalmente, o presidente Obama reconheceu que, sim, os EUA interferiram na história do Irã, em processo de golpe: aconteceu esse mês, no discurso de Obama, no Cairo. No mesmo discurso, Obama também declarou que, sim, é preciso respeitar os desejos do povo iraniano. Excelente começo.

Mas é indispensável, agora, que EUA e o ocidente, afastem-se e deixem que os iranianos discutam suas diferenças. "Afastar-se", nas atuais circunstâncias, implica afastar-se oficialmente, e suspender qualquer tentativa de interferência nos negócios internos do Irã, sim. Mas implica também os EUA retirarem do Irã todos os seus espiões e 'especialistas' em "lutas de baixa intensidade".

*Extraído do site Vermelho. O artigo original foi publicado em 22 de junho e pode ser lido no site Counterpunch (http://www.counterpunch.org)

terça-feira, 23 de junho de 2009

OS PLATINADOS E AS CONTRADIÇÕES ANTI-IRANIANAS


Daí que o Globo (e creio que seus primos paulistas enveredam pelo mesmo caminho) mergulhou de cabeça na campanha patrocinada pelo lobby armamentista para demonizar o Irã. Obama terá trabalho pra segurar o chifre desse touro brabo. Até aí eu entendo.

Desde sua fundação, o Globo é cupincha servil dos interesses americanos, que os Marinho sempre colocaram muito acima dos interesses nacionais. O engraçado, e infantil, dessa história, é a tentativa de meter o Lula no imbróglio.

Na terça ou quarta-feira (dia 16 ou 17 de junho), a primeira página da seção Mundo trazia um manchetão dizendo que o presidente brasileiro apóia Ahmadinejad, o mandatário iraniano reeleito com uma vitória esmagadora nas eleições realizadas semana passada. Manchete mentirosa, como sempre. Lula apenas dissera que as manifestações de rua no país eram choro de derrotados, e que não havia provas de fraude. Ora, é a pura verdade.


Não tenho nenhuma predileção por Ahmadinejad, embora eu confesse que estou quase chegando ao ponto em que tudo que o Globo diz que é bom, eu acho o contrário. Se o Globo é contra o Ahmadinejad, eu sou a favor. Do jeito que a coisa vai, em breve será muito fácil ter uma opinião política: ler o jornal de cabeça pra baixo. Bem, isso é ironia, desculpem-me.

Os platinados voltam à carga hoje. Só por ter feito observações lógicas sobre a necessidade de se respeitar um processo eleitoral, Lula virou o maior apoiador mundial de Ahmadinejad.

É sempre assim. Todos os demônios (na opinião do Globo) do mundo são aliados de Lula. Em tudo de mal que acontece no planeta, lá está o dedinho do (ex)barbudo. Daqui a pouco vão dizer que Lula é culpado pela morte daquele jornalista da Folha, assassinado esta semana por Obama durante uma entrevista para a televisão. Vocês viram que espetáculo? Obama matou a mosca!

Mas o PIG nacional irá dizer que foi o sapo (ex)barbudo que esticou sua língua, lá do outro lado do mundo, para apanhar o inseto.


Ahmadinejad foi eleito democraticamente em sufrágio universal.

Alguém contestou a primeira eleição? Não, né? Ora, um presidente eleito uma vez com enorme vantagem sobre o adversário pode ser eleito uma segunda sobre outro concorrente. Se houve fraude, as instituições iranianas irão dizer. Não é grupinho de Twitter com alguns milhares de seguidores que decide eleição num país com 70 milhões de pessoas.


Um colunista americano, em artigo traduzido e publicado no Globo, disse que o Facebook do adversário do Ahmadinejad já tem 50 mil participantes, e que isso encheria qualquer "mesquita". Oh, que sociologia profunda! Alguém deveria avisar a este senhor que a comunidade brasileira Leu na Veja, Azar Seu! tem 60 mil participantes, a comunidade Eu Odeio Acordar Cedo tem 3,8 milhões de participantes, e ninguém cogita dar algum valor eleitoral a isso.

Se o adversário de Ahmadinejad não confia nas instituições democráticas iranianas não deveria ter participado do pleito. A sua atitude radical de, desde o início, negar o resultado, me soou extremamente golpista e antidemocrática. As pesquisas de intenção de voto sempre apontaram o atual presidente como favorito. Por que o espanto em torno do resultado?

A mídia brasileira, em vez de atacar gratuitamente o governo iraniano, deveria procurar informações sobre a metodologia usada nas eleições do Irã, para que pudéssemos ter alguma idéia sobre a veracidade das acusações de fraude. A diferença em favor de Ahmadinejad foi brutal, então a fraude teria que ser brutal. Quando o atual presidente do México ganhou as eleições sobre o candidato de esquerda por uma margem de apenas 1%, e milhares de mexicanos foram às ruas protestar, não vi mídia dar nenhum destaque ao fato.

Eu mesmo não vi o protesto mexicano com bons olhos. Protesto de perdedor não vale. Se a sociedade não confia nas instituições democráticas de um país, que vá às ruas antes do pleito, pedindo auditorias independentes e observadores internacionais. Aliás, queria saber isso. Houve observadores internacionais no Irã?

A mídia não informa nada. Aqui no Rio, milhares de gabeiristas foram à Cinelândia protestar contra a derrota de seu candidato nas últimas eleições municipais- palhaçada de elite arrogante que não admite perder. Diante do que li sobre a divisão classista iraniana, suspeito de um fenômeno similar.


Entretanto, o fato do Irã ter aceito fazer a recontagem é um excelente sinal. Caso a vitória seja confirmada, quem irá pedir desculpas ao mal causado à imagem das instituições iranianas e suas autoridades, acusadas de desonestidade?

Ah, morreram seis pessoas durante os protestos. É uma lástima. Mas a polícia de São Paulo mata algumas dezenas de pessoas por semana e a mídia não fala nada. Jovens protestam pacificamente contra a presença da polícia na USP e a mídia os chama de baderneiros. Já os jovens iranianos que protestam, esses são verdadeiros democratas. As imagens da TV e as reportagens informaram que os jovens que protestavam contra os resultados estariam quebrando lojas, bancos e patrimônio público. É uma hipocrisia inacreditável que a mídia agora defenda um tratamento carinhoso a esse tipo de atitude.

Sobre a repressão ao uso de internet no Irã, trata-se de uma agressão terrível à liberdade de expressão, mas essa é uma realidade em dezenas de outros países africanos e asiáticos, cujos governos se consideram desestabilizados por campanhas políticas patrocinadas por interesses externos.

O Irã, pelo menos, tem eleições e sufrágio universal, à diferença da Arábia Saudita, do Paquistão e da China. É muito engraçado que a mesma mídia que tanto barulho fez contra a criação do blog da Petrobrás, que calunia sistematicamente a blogosfera brasileira, e que tenta inclusive aprovar leis anti-blogs, converta-se agora em defensora dos blogueiros iranianos.


Lula está certíssimo em apoiar o processo eleitoral iraniano. É prova de respeito aos Princípios Fundamentais da Constituição Federal brasileira, Artigo 4, Capítulos III e IV, que falam da autodeterminação dos povos e da não-intervenção.

É obrigação de qualquer autoridade que se pretenda seguidora dos princípios mais elementares da diplomacia e do direito internacional dar a presunção de inocência e idoneidade ao processo eleitoral iraniano. Se houver fraude comprovada, os mandatários devem protestar, naturalmente, mas cabe às instituições iranianas resolver o caso. Não havendo fraude comprovada, deve-se o respeito à decisão soberana do povo iraniano em reeleger Ahmadinejad.


Enquanto isso, Cora Ronai, em sua coluna de hoje, afirma que, "assim como todos os brasileiros", sentiu vontade de se enfiar embaixo do sofá de tanta vergonha, ao assistir Lula defender as eleições iranianas.

Ora, em primeiro lugar, desconheço o fato da população brasileira estar tão interessada no que acontece no Irã; em segundo lugar, Lula tem popularidade de 84% no Brasil, então não tem ninguém com "vergonha dele"; em terceiro lugar, Lula é, junto com Obama, o presidente mais prestigiado do planeta, tendo sido, semana passada, aplaudido de pé por seis vezes seguidas, durante uma convenção de direitos humanos da ONU.

Do que eu tenho vergonha, senhora Cora Ronai, é de encontrar textos tão mal escritos como os vossos num jornal tão (infelizmente) lido pela classe média fluminense. Se a senhora tivesse realmente vergonha de alguma coisa, deveria guardá-la para sentir quando entendesse melhor o papel que teve o jornal para o qual a senhora trabalha na preparação do golpe militar que massacrou a democracia brasileira.

Extraído do blog Óleo no Diabo, do jornalista Miguel do Rosário

sexta-feira, 19 de junho de 2009

OCIDENTE DESESTABILIZA DEMOCRACIA NO IRÃ

Todos a postos para a guerra contra o "demônio" Irã?
Por Paul Craig Roberts*


Que atenção merecem, da mídia dos EUA, eleições no Japão, na Índia, na Argentina, onde for? Quantos norte-americanos e jornalistas norte-americanos algum dia ouviram falar de que há vida eleitoral em outros países além de Inglaterra, França e Alemanha? Quem sabe dizer o nome de algum político importante da Suíça, da Holanda, do Brasil, do Japão ou, mesmo da China?

Pois é. Mas milhões de norte-americanos conhecem o presidente do Irã, Ahmadinejad. A razão é óbvia. O presidente do Irã é diariamente demonizado pela mídia dos EUA.

A demonização de Ahmadinejad pela mídia dos EUA é, ela própria, prova da ignorância da imprensa e dos cidadãos norte-americanos. O presidente do Irã manda muito pouco. Não é o comandante-em-chefe das Forças Armadas. Não tem poder para definir políticas próprias. É simples executor de políticas definidas pelos aiatolás. Os aiatolás, esses, sim, estão decididos a impedir que a revolução popular democrática iraniana seja arrendada pelo dinheiro dos EUA e convertida em algum tipo de 'sub-revolução' codificada pela CIA em tabelas em tons degradés de vermelho.

Os iranianos têm experiência muito amarga com governos dos EUA. A primeira eleição democrática iraniana, depois de o Irã ter sobrevivido à ocupação e à colonização, nos anos 50, foi desqualificada, de fato, foi destruída pelo governo dos EUA. Em lugar do candidato legítima e democraticamente eleito, os EUA impuseram um ditador que torturou e assassinou dissidentes cujo único 'crime' foi lutar por um Irã independente, que não fosse mais um fantoche norte-americano na Região.

O 'superpoder' que governa os EUA jamais perdoou os aiatolás islâmicos pelo sucesso da revolução democrática iraniana dos anos 70s, que derrubou aquele governo fantoche lá instalado e tomou como reféns o pessoal diplomático na embaixada dos EUA, definida como ''covil de espiões'', enquanto estudantes iranianos desenterravam, dos cofres daquela embaixada, todos os documentos necessários para provar que os EUA trabalhavam dia e noite para destruir a democracia iraniana.

A mídia corporativa controlada pelo governo dos EUA é um perfeito Ministério da Propaganda, respondeu à reeleição de Ahmadinejad com uma tempestade de noticiário sobre os 'violentos protestos' contra eleição que teria sido fraudada.A fraude eleitoral que não houve foi apresentada como fato, mesmo sem haver uma única evidência de qualquer fraude. Durante o governo de George W. Bush/Karl Rove, a única resposta da mídia dos EUA a eleições comprovadamente fraudadas foi ignorar todas as evidências de fraude real em eleições roubadas.

Líderes fantoches na Inglaterra e na Alemanha alinharam-se imediatamente à operação de guerra psicológica liderada pelos EUA. O muito desacreditado secretário de Relações Exteriores da Inglaterra, David Miliband, resfolegava, de tanta pressa para manifestar ''sérias dúvidas'' sobre a vitória de Ahmadinejad, num encontro de ministros da União Europeia em Luxembourg. Miliband, é claro, não recebe informações de fontes independentes. Sempre, e só, repete instruções que recebe de Washington e confia no que diga o candidato derrotado nas urnas, no Irã, mas preferido do governo dos EUA.

Angela Merkel, Chanceler alemã, também foi dominada; dobraram-lhe o braço. Mandou chamar o embaixador iraniano e disse que exigia ''mais transparência'' nas eleições.

Até a esquerda norte-americana endossou o golpe de propaganda do governo dos EUA. Em seu blog em The Nation, Robert Dreyfus reproduziu as frases histéricas de um dissidente iraniano, como se ali falasse a voz da verdade sobre ''eleições ilegítimas'' que levariam a um ''golpe de Estado''.

Qual, afinal, é a fonte das informações que a mídia nos EUA e em todos os Estados fantoches repete sobre as eleições iranianas? Fonte?

Não há fonte. Todos só fazem repetir os discursos do candidato derrotado, que os EUA 'prefeririam' ver eleito.

Houve pelo menos uma pesquisa séria, independente, conduzida no Irã, antes das eleições. Ken Ballen, do Center for Public Opinion, organização sem fins lucrativos; e Patrick Doherty, da New America Foundation, também sem fins lucrativos, comentaram os resultados de suas pesquisas, ontem, 15/6, no Washington Post.A pesquisa foi financiada pelo Rockefeller Brothers Fund e conduzida em persa, ''por empresa de pesquisas que opera na região para as redes ABC News e BBC e já premiada com um prêmio Emmy'' (Washington Post, 15/6/2009, ''Pesquisa Ballen-Doherty,
http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2009/06/14/AR2009061401757.html?nav=rss_opinion/columns).

Os resultados dessa pesquisa, a única fonte de informação confiável que há hoje, indicam que o resultado eleitoral manifesta o desejo dos eleitores iranianos.

Dentre outras informações interessantíssimas que a pesquisa revela, lê-se: ''Muitos especialistas têm repetido que a vitória do atual presidente Máhmude Ahmadinejad teria sido resultado de fraude ou manipulação, mas a pesquisa de opinião pública que fizemos em todo o Irã, três semanas antes da eleição, já mostrava que Ahmadinejad podia esperar ser eleito no primeiro turno, com maioria significativa, e, de fato, pelos nossos resultados, com diferença ainda maior do que a que se constatou na apuração final dos votos''.

Ao mesmo tempo em que todos os noticiários ocidentais com notícias de Teeran repetiam que haveria crescimento nas expectativas eleitorais a favor de Mir Hossein Moussavi, todos os nossos resultados de pesquisa, com dados recolhidos em todas as 30 províncias do Irã, já mostravam enorme diferença a favor de Ahmadinejad nas intenções de voto.

A acentuada preferência dos eleitores pelo candidato Ahmadinejad já era muito evidente desde nossas primeiras pesquisas. Durante a campanha, por exemplo, Moussavi esforçou-se por identificar-se como ''Azeri'' (o segundo maior grupo étnico na composição populacional do Irã, depois dos persas), com vistas a atrair o voto dos Azeri. Nossa pesquisa mostrou claramente que também entre os Azeri, Ahmadinejad venceria Moussavi, também com mais que o dobro dos votos.

Também falou-se da juventude iraniana e da Internet como fatores decisivos nas eleições. Nossa pesquisa mostrou que menos de 1/3 dos iranianos têm acesso a internet, o que é insuficiente para que a internet possa ser considerado fator decisivo; e que o grupo dos jovens (18-24 anos) é, dentre todos os grupos etários, o que manifesta mais acentuada diferença a favor de Ahmadinejad.

Os únicos grupos sociodemográficos no quais a pesquisa identificou preferência mais significativa pelo candidato Moussavi (embora nem aí Moussavi apareça em primeiro lugar em todos os subgrupos) são o grupo identificado como ''estudantes universitários e profissionais liberais'' e o grupo identificado como ''mais alta renda nacional''.

Quando nossa pesquisa foi realizada, quase 1/3 dos iranianos declararam-se indecisos. Mesmo assim, todas as tendências que traçamos, por procedimentos estatísticos regulares e conhecidos, espelham os resultados finais apresentados pelas autoridades iranianas (todos esses procedimentos podem ser auditados e confirmados, a partir dos dados do relatório da pesquisa), o que confirma que os resultados eleitorais apresentados sejam rigorosamente autênticos, sem que se justifique qualquer suspeita de fraude.

''Vários jornais e jornalistas têm insistido em noticiar que haveria em andamento um plano para desestabilizar o Irã. Há quem fale de os EUA financiarem ataques terroristas, bombas e assassinatos no Irã. Parte da mídia nos EUA usa esses informes como ilustração de autopromoção do poder dos EUA para controlar e manter sob 'rédea curta' países 'dissidentes'; essa parte da mídia favorece o terror como política admissível contra esses países 'dissidentes'.

Outra parte da mídia, na maioria a mídia estrangeira, vê esse tipo de noticiário como evidência da inerente imoralidade do governo norte-americano.

Ex-comandante militar paquistanês, o general Mirza Aslam Beig, disse à Rádio Pashtum, na segunda-feira (15), que o serviço secreto paquistanês tem provas irrefutáveis de que os EUA trabalharam para tentar alterar o resultado das eleições no Irã. ''Há provas de que a CIA gastou 400 milhões de dólares em território iraniano para fazer eclodir uma revolução 'pacífica', 'colorida', contra o governo dos aiatolás, imediatamente depois das eleições.''

O sucesso dos EUA ao financiar outras revoluções 'coloridas' na Georgia e Ucrânia e em outras partes do ex-império soviético tem sido tema muito repetido na mídia dos EUA. Para a mídia norte-americana, todos esses 'feitos' seriam manifestação da onipotência 'natural', do direito 'natural' dos EUA, como principal potência do mundo ocidental. Para parte da mídia estrangeira, seriam sempre evidência de que os EUA jamais deixaram de tentar intervir nos assuntos internos de outros países.

No campo objetivo das probabilidades estatísticas, é mais provável que Mir Hossein Moussavi seja mais um fantoche alugado para servir a interesses inconfessáveis dos EUA, do que tenha sido vítima de alguma espécie de fraude eleitoral.

Sabe-se que o governo dos EUA sempre usou instrumentos de guerra psicológica tanto contra os próprios norte-americanos como contra estrangeiros, nos EUA ou fora dos EUA. Em todas essas operações de guerra psicológica a mídia sempre foi instrumento privilegiado, nos EUA e em outros países. Há inúmeros estudos sobre isso.

Consideremos a eleição iraniana do ponto de vista do bom-senso do cidadão comum. Nem eu nem a enorme maioria dos leitores de jornal ou dos públicos telespectadores somos especialistas em Irã.

Alguém supõe que, se meu país vivesse sob constante ameaça de ser atacado (sob ameaça também de ataque nuclear e, isso, sem falar das sanções econômicas!), e se a ameaça viesse de dois países muito mais fortemente armados que o meu (como é o caso do Irã – que vive sob eterna ameaça de ser atacado ou pelos EUA ou por Israel ou por ambos!)
... alguém supõe que eu ou você desistiríamos de tentar defender nosso país... para eleger algum candidato que aparecesse... e que interessasse aos EUA, a Israel ou a ambos?!

Passa pela cabeça de alguém que a maioria do povo iraniano teria votado para eleger um candidato que a maioria do povo vê como fantoche dos EUA e de Israel... e que a maioria do povo vê como interessado em converter o Irã em mais um Estado-fantoche dos EUA e de Israel?

A sociedade iraniana é antiga e sofisticada. Os intelectuais são, na maioria, seculares. Uma pequena fração da juventude foi fisgada pelos 'ideais' ocidentais de culto obcecado da satisfação pessoal, do interesse individual, da auto-dedicação aos interesses pessoais. Essas pessoas podem muito facilmente ser organizadas mediante o sempre abundante dinheiro dos EUA para esse tipo de operação 'especial', para fazer oposição ao governo eleito e ao pensamento social islâmico que, sim, impõe limitações ao comportamento individual.

Os EUA estão usando esses iranianos ocidentalizados como base de manobra para, a partir deles, desacreditar as eleições iranianas e o governo legitimamente eleito pela maioria dos iranianos.Dia 14 de junho, o McClatchy Washington Bureau, que várias vezes até tenta investigar a fundo as próprias notícias, cedeu também à guerra de propaganda de Washington e publicou: ''O resultado das eleições no Irã dificulta ainda mais a já dificílima tarefa de Obama.'' O que aí se vê são os primeiros movimentos do que, adiante, será a feia carantonha de um ''fracasso da diplomacia'', que abrirá caminho para uma 'inevitável' intervenção militar. Já aconteceu outras vezes.(...)

O grande poder super-macho está decidido a recuperar a hegemonia que teve sobre o Irã e os iranianos; será a revanche com que os EUA sonham contra os aiatolás que, sim, derrotaram completamente os EUA em 1978.

O script é esse. Para assistir aos capítulos, basta acompanhar, minuto a minuto a televisão nos EUA.Não faltarão 'especialistas' para explicar o script. Por exemplo, um, colhido ao acaso dentre muitos, lá estava Gary Sick, ex-funcionário do Conselho de Segurança Nacional, atualmente professor na Universidade de Columbia:

''Se tivessem sido mais modestos e anunciado vitória de Ahmadinejad com 51% dos votos'' – disse Sick –, os iranianos desconfiariam, mas acabariam aceitando. Mas o governo dizer que Ahmadinejad venceu com 62,6% dos votos? Não, não é crível.''''Parece-me'', continuou Sick, ''que estamos realmente num ponto de virada decisivo na Revolução Iraniana, de uma posição em que se dizia que a legitimidade da revolução estava no apoio popular, para uma posição que depende cada vez mais da repressão. A voz do povo está sendo ignorada.

''Bullshit. Opinionismo sem qualquer fundamento. A única referência confiável, de pesquisa séria que há sobre as eleições iranianas, é a pesquisa citada acima, que o Washington Post publicou. A pesquisa demonstrara, três semanas antes das eleições, que Ahmadinejad era o candidato preferido de mais da metade do universo de eleitores.

Mas nenhuma pesquisa séria interessa. Reinam as regras da propaganda e da mentira. Nada tem a ver com fatos. Reinam as regras da hegemonia que os EUA sempre viveram de impor a outros povos.

Consumidos por esse vício de aspirar cada vez mais ao poder hegemônico, os EUA atropelam qualquer equilíbrio, qualquer moralidade. A democracia que se dane! E assim prosseguirão o script e as ameaças contra todo o mundo, até que os EUA afundem-se, eles mesmos, cada vez mais, para o fundo do poço: falidos, quebrados, no plano interno; e isolados, no plano internacional, universalmente desprezados.

*Paul Craig Roberts foi secretário-assistente do Tesouro no governo Reagan. É co-autor de The Tyranny of Good Intentions. O texto original, em inglês, pode ser acessado no link:http://www.counterpunch.org/roberts06162009.html

sexta-feira, 12 de junho de 2009

LÍBANO SEGUE SOB INFLUÊNCIA AMERICANA

*Lejeune Mirhan


Não voltei a este tema nos últimos 30 dias pela falta imensa de cobertura das eleições libanesas. Dos jornalões brasileiros, apensa o Estadão mandou representante. As pesquisas eram contraditórias. Algumas davam vitória para a oposição e outras para a situação. Agora saíram os resultados. Tudo ficará mais ou menos como era antes, com poucas mudanças. Mas, mudanças vão ocorrer ainda.


Os campos opostos e as eleições


As eleições ocorreram no último dia 7 de junho, domingo. Muito disputadas. Dois blocos rivalizavam as disputas e as consciências dos eleitores. Na oposição, a Coligação “8 de Março”, é integrada pelo Partido Hezbolláh, pela Frente Patriótica do general cristão Michel Aoun, pelo grupo xiita Amal e do Partido Comunista Libanês. No campo situacionista, os sunitas de diversas colorações e cristãos da Falange, mais à direita.


A mídia ocidental proclamou aos quatro ventos que estas eleições são as “mais democráticas” em todo o Oriente Médio. É como Bobbio disse em um de seus livros. A burguesia preocupa-se com a forma e nunca com o conteúdo, com o que se aprova no parlamento, com o caráter e as tarefas de um determinado governo. Enfim, talvez seja fato que sejam eleições dita democrática, mas são realizadas nos moldes ocidentais, ou seja, vale o poder da comunicação, o poder do dinheiro.


Nesse contexto, dificilmente a oposição teria chances de vencer. Não é possível concorrer com os bilhões de dólares que foram despejados no Líbano tanto pela própria elite do país, temerária de vitória do Hezbolláh, como pelo próprio governo americano.


O Líbano, pela sua história mais recente, pela sua colonização europeia sempre viveu sob imensa influência ocidental. Há uma universidade em Beirute que se proclama “americana”. Mulheres jovens, que buscam padrões de vestimenta e mesmo de comportamento, aproximam-se da típica jovem estadunidense, ditas patricinhas. Usam e abusam das calças jeans, mesmo professando o islamismo nunca usam veus e veem no ocidente um modelo em que gostariam que o seu Líbano fosse. Algumas delas, criadas mesmo nos Estados Unidos ou na França, sequer falam a língua árabe de seus pais. Assim é o Líbano.


Quando Samuel Huntington publicou o seu famoso Crash of Civilization na Foreing Office do verão de 1995 – e eu apresentei logo à época uma monografia sobre esse trabalho em curso de Política Internacional que realizava – chamou-me a atenção sobre o que ele falava da Turquia. Um país que vivia um conflito. Um dia ela teria que se decidir se optava em ficar com a Ásia, o Oriente, o Islã ou se voltava suas costas para seu passado e se aliava ao Ocidente, à Europa, à União Europeia e mesmo ingressava no Tratado da OTAN.


Parece-me que o Líbano vive esse dilema hoje. É país árabe há quase 1,4 mil anos, fala a língua árabe, possui vizinhos árabes com quem mantém relações seculares, mas possui ao mesmo tempo olhos voltados para o Ocidente. Muitos dos eleitores que votaram no domingo passado vieram de muitos países exclusivamente para exercerem seu voto, visitarem algum familiar e retornam para outros países.


Como disse, na esmagadora maioria dessas pessoas, nascidas no Líbano, mas que migraram para o Ocidente, sequer conseguem falar o árabe. Registro que a situação gastou milhões de dólares em passagens para trazer esses eleitores ocidentais para votar na coligação “14 de Março”, liderada por Saad Hariri, filho do ex-primeiro Ministro Hafic Hariri, assassinado em 2005.


De fato, a coligação de Hariri era apoiada pelos Estados Unidos. Nos poucos meses de campanha eleitoral, esteve em Beirute a secretaria de Estado americana Hilary Clinton. Depois disso, Obama despachou seu vice, Joe Biden para o Líbano. Biden reuniu-se com a coligação de Hariri e fez duras críticas à oposição. Os Estados Unidos, como sabemos, classifica o Hezbolláh como “terrorista”.A coligação moderada teve apoio – financeiro inclusive – da rica e moderada Arábia Saudita. Claro, no campo oposto, a imprensa dava como sendo a coligação “8 de Março" apoiada pela Síria e pelo Irã, justamente países tidos como apoiadores do “terrorismo”. Mesmo em vésperas das eleições, o subsecretário de Estado dos EUA, e ex-embaixador no Líbano, Jeffrey Feltman, em entrevista aos jornais locais, defendeu abertamente à coligação de Hariri.


Considerações sobre os resultados


Há que se ver aqui os interesses de Israel. É claro que a coligação apoiada pelos americanos não poderá jamais dizer que vê Israel com bons olhos. Isso lhes tiraria votos. Mas, o governo fascista de Israel torceu o tempo todo, ainda que calado, para a vitória do grupo de Hariri. Nunca nos esqueçamos dos 33 dias de bombardeios realizados por Israel em Beirute e no Sul do Líbano em julho e agosto de 2006, onde morreram quase dois mil libaneses. A o governo moderado e sunita de Siniora pouco ou nada fez. Quem resistiu de armas em punho foram os guerrilheiros do Hezbolláh libanês, entre outros.


Quanto aos resultados propriamente ditos, nada vai se alterar. A oposição – com poder de veto no governo – aumentou de 56 para 57 cadeiras e a situação diminuiu de 69 para 68 cadeiras, sendo que três são independentes. No limite, ficou 71 a 57 votos (44%). A força oposicionista segue grande, mas insuficiente para governar o país. Terá que fazer composição.


Aqui não podemos arriscar palpites, pois as coisas são muito delicadas, frágeis e voláteis na verdade. Podem ser alteradas com rapidez. Mas, fala-se com ênfase na imprensa árabe que é possível que um governo de coalizão nacional seja formado. Aqui se levanta ainda a questão do Hezbolláh seguir tanto com poder de veto no governo como continuar com direito a possuir armas, atuando enquanto grupo de milicianos armados no país. Funcionam como se fossem um exército paralelo.


Se haverá consenso ou não, os próximos dias – talvez semanas e meses – serão decisivos. Até um possível novo primeiro Ministro já se fala. Diversos analistas libaneses indicam o nome de Najib Mikati, sunita – como determinam os acordos de Taif de 1990 que pôs fim à guerra civil. O sistema eleitoral libanês, fruto desse acordo, divide o parlamento em cotas para todas as confissões religiosas.


Coisas de mais ou menos metade para cristãos e metade para muçulmanos. Dentro dessas metades, tem quase uma dezena de ramificações. Grosso modo, os cristãos têm 64 cadeiras e os muçulmanos outras 64. A divisão entre cristãos é assim acordada: 34 maronitas; 14 gregos ortodoxos; 8 gregos católicos; 5 armênios ortodoxos; e um para armênios católicos, protestantes e outros cristãos. Entre os muçulmanos, são 27 para xiitas e sunitas, 8 para drusos e 2 para alauitas.


Mas não devemos nos iludir que o problema libanês é religioso. Como nunca foi o conflito entre palestinos e israelenses, como tenho me batido sempre neste espaço. É um conflito eminentemente político, por vezes até ideológico. Os sunitas libaneses, mais ligados aos americanos, sem capacidade de enfrentar Israel frontalmente, no Iraque são os que resistem à invasão americana. E vice-versa com relação aos xiitas.


No Líbano estes dão combate à Israel e aos americanos e no Iraque eles governam com o apoio dos Estados Unidos. Entre cristãos, existem os de extrema direita como a Falange, de Jumblat, como do mencionado general patriota Aoun. Até cristãos armênios integraram a coligação mais avançada.


Aqui um fator novo entrou em cena. Chama-se Barak Hussein Obama, presidente dos Estados Unidos. Este tem feito um discurso de mão estendida para o Irã, para o mundo muçulmano e tem enfatizado a solução de dois estados para o conflito na Palestina. Ou seja, tem conseguido ganhar consciências desde a campanha, usando o trunfo de primeiro negro a governar os Estados Unidos, como tem ganhado consciências com suas propostas, em alguns aspectos progressistas, se compararmos à era Bush.


Nesse contexto, estar mais próximo dos Estados Unidos não seria tão ruim assim como em passado recente. Na sua primeira entrevista dada depois do anúncio dos resultados eleitorais, Saad Hariri, falando ao Financial Times adota de pronto, tom conciliador. Coloca-se à disposição para ser primeiro Ministro, mas não fará disso um “cavalo de batalha”. Não toca nos assuntos nevrálgicos que são o desarmamento do Hezbolláh e o seu poder de veto nas decisões de governo. Fala genericamente em governo de União Nacional.


Esse é um contexto que os grupos progressistas devem saber navegar, ver contradições mesmo no campo dos adversários, procurar ganhar aliados para as propostas mais avançadas e que recoloquem o Líbano nas mãos dos libaneses que reforcem a vocação árabe desse importante e estratégico país do Oriente Médio. Virar as costas para o Oriente e voltar-se para o Ocidente não será, seguramente, a melhor política a ser adotada.


Comemoração


Comemora-se aniversários quando se completam anos e geralmente festas se fazem com números redondos (cinco anos, dez anos). Completamos em 28 de março passado, 7 anos de coluna. Não é um ano “redondo” a ser festejado. Mas, esta coluna é de número 350. Uma marco a ser comemorado. Agradeço aos meus leitores e leitoras fieis nesses anos todos.


*Lejeune Mirhan, Presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, Escritor, Arabista e Professor Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa, Membro da International Sociological


LÍBANO: OPOSIÇÃO VENCE, MAS NÃO LEVA

Por Chádia Kobeissi*

Nas recentes eleições no Líbano, a coalizão de oposição denominada 08 de Março, liderada pelo Hezbollah e que inclui cristãos, sunitas e drusos, recebeu 815 mil votos, enquanto a coalizão de direita, intitulada 14 de Marco e liderada por Saad Hariri, que aderiu ao partido em 2005, recebeu 680 mil votos. Ou seja, enquanto o primeiro grupo recebeu 54,5% dos votos, a direita libanesa recebeu 45,5%. Estes números foram publicados oficialmente em todos os jornais do Líbano.

O Jornal “Al Akhbar” publicou um artigo mostrando os números que indicaram que pela maioria do povo do Líbano, a oposição certamente ganharia, não fosse a Lei de 1960, que destina os cargos de acordo com as regiões do país, não pelo número total de votos. Por exemplo, se o grupo 14 de Março ganha 60% dos votos em uma região, os outros 40% da oposição são completamente ignorados, não podendo ser somados com seus votos em outras áreas do país.

Em localizações xiitas, o 14 de Março não teve nem 10% de votos, mas em localizações com habitantes cristãos, ou até sunitas, a oposição conseguiu entre 30% a 40% dos votos. Contudo, tais votos foram ignorados por não ser a maioria. O resultado disso foi menos direito a cadeiras no parlamento para a oposição, que obteve 57 vagas, contra 71 para o 14 de Março.

De acordo com o jornal “Al Akhbar”, já que a maioria do povo prefere a oposição, deveria ser feito um outro tipo de lei, referente a “Qanun Nasbieh”, valorizando cada indivíduo e seu voto. A publicação também diz que isso é um problema para o país, pois dá muitas aberturas para conflitos internos. Uma nação onde a maioria do povo prefere um partido e a Lei de 1960 escolhe outro está sujeita a grandes problemas.

Sobre a capital libanesa, Beirute, um outro problema foi avaliado: 150 mil votos são de famílias sunitas; apenas 30.000 xiitas têm direito de votar em Beirute. Uma desproporção grande em relação a uma área tão importante. Justamente porque cada família vota em seu local de origem, muitos xiitas que votam em locais afastados não viajaram, pois a população libanesa carece de meios econômicos.

No entanto, o partido da direita recebeu milhares de dólares vindos da Arábia Saudita, aliada da América, para, digamos, “influenciar” a decisão.

Subordinação é algo antigo no Líbano.

Como também possuo nacionalidade libanesa, ligaram-me algumas vezes, para, digamos, dar um “empurrãozinho” no meu voto, mas comigo isso não funciona.

As campanhas políticas, tanto do partido da direita quanto da esquerda no Líbano, sempre facilitam para que todos os civis votem, já que o voto não é obrigatório. Ônibus, carros e até uma Mercedes nova com motorista vieram buscar algumas pessoas na porta de suas casas. No entanto, até que isso é válido para dar uma ajudinha. Mas, como fez o partido 14 de Março, trazendo ao Líbano milhares de libaneses, ficou claro que esses votos extras representaram a escolha de libaneses que estão fora, alguns por até 30 anos.

Não foram apenas passagens grátis que fizeram do 14 de Março vencedor, mas também serviços para a comunidade.

De qualquer modo, até agora, a oposição aceitou a lei e a eleição. O clima no Líbano está calmo, não há sinais de conflitos internos. A oposição, que ganhou praticamente em todo o sul do Líbano, em Baabda (onde mora a maioria dos cristãos) e em Baalbek, também agradeceu, acrescentando que a fronteira com Israel é um ponto muito importante para os militantes do Hezbollah.

O secretário-geral do Partido de Deus, Sayyed Hassan Nasrallah, aceitou o resultado das eleições, diferente do que muitos países ocidentais pensavam. Ele encarou as eleições com espírito esportivo. No entanto, será difícil calar o povo, que, oficialmente, votou na sua maioria na oposição.

Para mim, que quase toda minha vida vivi no Brasil, fica difícil entender uma vitória importante como essa, elegida pela minoria do povo. Os números mostram que Nasrallah e sua oposição continuam sendo a paixão nacional.


* Chadia Kobeissi é jornalista, brasileira, e vive no Líbano.


Extraído do IBEI