terça-feira, 23 de junho de 2009

OS PLATINADOS E AS CONTRADIÇÕES ANTI-IRANIANAS


Daí que o Globo (e creio que seus primos paulistas enveredam pelo mesmo caminho) mergulhou de cabeça na campanha patrocinada pelo lobby armamentista para demonizar o Irã. Obama terá trabalho pra segurar o chifre desse touro brabo. Até aí eu entendo.

Desde sua fundação, o Globo é cupincha servil dos interesses americanos, que os Marinho sempre colocaram muito acima dos interesses nacionais. O engraçado, e infantil, dessa história, é a tentativa de meter o Lula no imbróglio.

Na terça ou quarta-feira (dia 16 ou 17 de junho), a primeira página da seção Mundo trazia um manchetão dizendo que o presidente brasileiro apóia Ahmadinejad, o mandatário iraniano reeleito com uma vitória esmagadora nas eleições realizadas semana passada. Manchete mentirosa, como sempre. Lula apenas dissera que as manifestações de rua no país eram choro de derrotados, e que não havia provas de fraude. Ora, é a pura verdade.


Não tenho nenhuma predileção por Ahmadinejad, embora eu confesse que estou quase chegando ao ponto em que tudo que o Globo diz que é bom, eu acho o contrário. Se o Globo é contra o Ahmadinejad, eu sou a favor. Do jeito que a coisa vai, em breve será muito fácil ter uma opinião política: ler o jornal de cabeça pra baixo. Bem, isso é ironia, desculpem-me.

Os platinados voltam à carga hoje. Só por ter feito observações lógicas sobre a necessidade de se respeitar um processo eleitoral, Lula virou o maior apoiador mundial de Ahmadinejad.

É sempre assim. Todos os demônios (na opinião do Globo) do mundo são aliados de Lula. Em tudo de mal que acontece no planeta, lá está o dedinho do (ex)barbudo. Daqui a pouco vão dizer que Lula é culpado pela morte daquele jornalista da Folha, assassinado esta semana por Obama durante uma entrevista para a televisão. Vocês viram que espetáculo? Obama matou a mosca!

Mas o PIG nacional irá dizer que foi o sapo (ex)barbudo que esticou sua língua, lá do outro lado do mundo, para apanhar o inseto.


Ahmadinejad foi eleito democraticamente em sufrágio universal.

Alguém contestou a primeira eleição? Não, né? Ora, um presidente eleito uma vez com enorme vantagem sobre o adversário pode ser eleito uma segunda sobre outro concorrente. Se houve fraude, as instituições iranianas irão dizer. Não é grupinho de Twitter com alguns milhares de seguidores que decide eleição num país com 70 milhões de pessoas.


Um colunista americano, em artigo traduzido e publicado no Globo, disse que o Facebook do adversário do Ahmadinejad já tem 50 mil participantes, e que isso encheria qualquer "mesquita". Oh, que sociologia profunda! Alguém deveria avisar a este senhor que a comunidade brasileira Leu na Veja, Azar Seu! tem 60 mil participantes, a comunidade Eu Odeio Acordar Cedo tem 3,8 milhões de participantes, e ninguém cogita dar algum valor eleitoral a isso.

Se o adversário de Ahmadinejad não confia nas instituições democráticas iranianas não deveria ter participado do pleito. A sua atitude radical de, desde o início, negar o resultado, me soou extremamente golpista e antidemocrática. As pesquisas de intenção de voto sempre apontaram o atual presidente como favorito. Por que o espanto em torno do resultado?

A mídia brasileira, em vez de atacar gratuitamente o governo iraniano, deveria procurar informações sobre a metodologia usada nas eleições do Irã, para que pudéssemos ter alguma idéia sobre a veracidade das acusações de fraude. A diferença em favor de Ahmadinejad foi brutal, então a fraude teria que ser brutal. Quando o atual presidente do México ganhou as eleições sobre o candidato de esquerda por uma margem de apenas 1%, e milhares de mexicanos foram às ruas protestar, não vi mídia dar nenhum destaque ao fato.

Eu mesmo não vi o protesto mexicano com bons olhos. Protesto de perdedor não vale. Se a sociedade não confia nas instituições democráticas de um país, que vá às ruas antes do pleito, pedindo auditorias independentes e observadores internacionais. Aliás, queria saber isso. Houve observadores internacionais no Irã?

A mídia não informa nada. Aqui no Rio, milhares de gabeiristas foram à Cinelândia protestar contra a derrota de seu candidato nas últimas eleições municipais- palhaçada de elite arrogante que não admite perder. Diante do que li sobre a divisão classista iraniana, suspeito de um fenômeno similar.


Entretanto, o fato do Irã ter aceito fazer a recontagem é um excelente sinal. Caso a vitória seja confirmada, quem irá pedir desculpas ao mal causado à imagem das instituições iranianas e suas autoridades, acusadas de desonestidade?

Ah, morreram seis pessoas durante os protestos. É uma lástima. Mas a polícia de São Paulo mata algumas dezenas de pessoas por semana e a mídia não fala nada. Jovens protestam pacificamente contra a presença da polícia na USP e a mídia os chama de baderneiros. Já os jovens iranianos que protestam, esses são verdadeiros democratas. As imagens da TV e as reportagens informaram que os jovens que protestavam contra os resultados estariam quebrando lojas, bancos e patrimônio público. É uma hipocrisia inacreditável que a mídia agora defenda um tratamento carinhoso a esse tipo de atitude.

Sobre a repressão ao uso de internet no Irã, trata-se de uma agressão terrível à liberdade de expressão, mas essa é uma realidade em dezenas de outros países africanos e asiáticos, cujos governos se consideram desestabilizados por campanhas políticas patrocinadas por interesses externos.

O Irã, pelo menos, tem eleições e sufrágio universal, à diferença da Arábia Saudita, do Paquistão e da China. É muito engraçado que a mesma mídia que tanto barulho fez contra a criação do blog da Petrobrás, que calunia sistematicamente a blogosfera brasileira, e que tenta inclusive aprovar leis anti-blogs, converta-se agora em defensora dos blogueiros iranianos.


Lula está certíssimo em apoiar o processo eleitoral iraniano. É prova de respeito aos Princípios Fundamentais da Constituição Federal brasileira, Artigo 4, Capítulos III e IV, que falam da autodeterminação dos povos e da não-intervenção.

É obrigação de qualquer autoridade que se pretenda seguidora dos princípios mais elementares da diplomacia e do direito internacional dar a presunção de inocência e idoneidade ao processo eleitoral iraniano. Se houver fraude comprovada, os mandatários devem protestar, naturalmente, mas cabe às instituições iranianas resolver o caso. Não havendo fraude comprovada, deve-se o respeito à decisão soberana do povo iraniano em reeleger Ahmadinejad.


Enquanto isso, Cora Ronai, em sua coluna de hoje, afirma que, "assim como todos os brasileiros", sentiu vontade de se enfiar embaixo do sofá de tanta vergonha, ao assistir Lula defender as eleições iranianas.

Ora, em primeiro lugar, desconheço o fato da população brasileira estar tão interessada no que acontece no Irã; em segundo lugar, Lula tem popularidade de 84% no Brasil, então não tem ninguém com "vergonha dele"; em terceiro lugar, Lula é, junto com Obama, o presidente mais prestigiado do planeta, tendo sido, semana passada, aplaudido de pé por seis vezes seguidas, durante uma convenção de direitos humanos da ONU.

Do que eu tenho vergonha, senhora Cora Ronai, é de encontrar textos tão mal escritos como os vossos num jornal tão (infelizmente) lido pela classe média fluminense. Se a senhora tivesse realmente vergonha de alguma coisa, deveria guardá-la para sentir quando entendesse melhor o papel que teve o jornal para o qual a senhora trabalha na preparação do golpe militar que massacrou a democracia brasileira.

Extraído do blog Óleo no Diabo, do jornalista Miguel do Rosário

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