sexta-feira, 12 de junho de 2009

LÍBANO SEGUE SOB INFLUÊNCIA AMERICANA

*Lejeune Mirhan


Não voltei a este tema nos últimos 30 dias pela falta imensa de cobertura das eleições libanesas. Dos jornalões brasileiros, apensa o Estadão mandou representante. As pesquisas eram contraditórias. Algumas davam vitória para a oposição e outras para a situação. Agora saíram os resultados. Tudo ficará mais ou menos como era antes, com poucas mudanças. Mas, mudanças vão ocorrer ainda.


Os campos opostos e as eleições


As eleições ocorreram no último dia 7 de junho, domingo. Muito disputadas. Dois blocos rivalizavam as disputas e as consciências dos eleitores. Na oposição, a Coligação “8 de Março”, é integrada pelo Partido Hezbolláh, pela Frente Patriótica do general cristão Michel Aoun, pelo grupo xiita Amal e do Partido Comunista Libanês. No campo situacionista, os sunitas de diversas colorações e cristãos da Falange, mais à direita.


A mídia ocidental proclamou aos quatro ventos que estas eleições são as “mais democráticas” em todo o Oriente Médio. É como Bobbio disse em um de seus livros. A burguesia preocupa-se com a forma e nunca com o conteúdo, com o que se aprova no parlamento, com o caráter e as tarefas de um determinado governo. Enfim, talvez seja fato que sejam eleições dita democrática, mas são realizadas nos moldes ocidentais, ou seja, vale o poder da comunicação, o poder do dinheiro.


Nesse contexto, dificilmente a oposição teria chances de vencer. Não é possível concorrer com os bilhões de dólares que foram despejados no Líbano tanto pela própria elite do país, temerária de vitória do Hezbolláh, como pelo próprio governo americano.


O Líbano, pela sua história mais recente, pela sua colonização europeia sempre viveu sob imensa influência ocidental. Há uma universidade em Beirute que se proclama “americana”. Mulheres jovens, que buscam padrões de vestimenta e mesmo de comportamento, aproximam-se da típica jovem estadunidense, ditas patricinhas. Usam e abusam das calças jeans, mesmo professando o islamismo nunca usam veus e veem no ocidente um modelo em que gostariam que o seu Líbano fosse. Algumas delas, criadas mesmo nos Estados Unidos ou na França, sequer falam a língua árabe de seus pais. Assim é o Líbano.


Quando Samuel Huntington publicou o seu famoso Crash of Civilization na Foreing Office do verão de 1995 – e eu apresentei logo à época uma monografia sobre esse trabalho em curso de Política Internacional que realizava – chamou-me a atenção sobre o que ele falava da Turquia. Um país que vivia um conflito. Um dia ela teria que se decidir se optava em ficar com a Ásia, o Oriente, o Islã ou se voltava suas costas para seu passado e se aliava ao Ocidente, à Europa, à União Europeia e mesmo ingressava no Tratado da OTAN.


Parece-me que o Líbano vive esse dilema hoje. É país árabe há quase 1,4 mil anos, fala a língua árabe, possui vizinhos árabes com quem mantém relações seculares, mas possui ao mesmo tempo olhos voltados para o Ocidente. Muitos dos eleitores que votaram no domingo passado vieram de muitos países exclusivamente para exercerem seu voto, visitarem algum familiar e retornam para outros países.


Como disse, na esmagadora maioria dessas pessoas, nascidas no Líbano, mas que migraram para o Ocidente, sequer conseguem falar o árabe. Registro que a situação gastou milhões de dólares em passagens para trazer esses eleitores ocidentais para votar na coligação “14 de Março”, liderada por Saad Hariri, filho do ex-primeiro Ministro Hafic Hariri, assassinado em 2005.


De fato, a coligação de Hariri era apoiada pelos Estados Unidos. Nos poucos meses de campanha eleitoral, esteve em Beirute a secretaria de Estado americana Hilary Clinton. Depois disso, Obama despachou seu vice, Joe Biden para o Líbano. Biden reuniu-se com a coligação de Hariri e fez duras críticas à oposição. Os Estados Unidos, como sabemos, classifica o Hezbolláh como “terrorista”.A coligação moderada teve apoio – financeiro inclusive – da rica e moderada Arábia Saudita. Claro, no campo oposto, a imprensa dava como sendo a coligação “8 de Março" apoiada pela Síria e pelo Irã, justamente países tidos como apoiadores do “terrorismo”. Mesmo em vésperas das eleições, o subsecretário de Estado dos EUA, e ex-embaixador no Líbano, Jeffrey Feltman, em entrevista aos jornais locais, defendeu abertamente à coligação de Hariri.


Considerações sobre os resultados


Há que se ver aqui os interesses de Israel. É claro que a coligação apoiada pelos americanos não poderá jamais dizer que vê Israel com bons olhos. Isso lhes tiraria votos. Mas, o governo fascista de Israel torceu o tempo todo, ainda que calado, para a vitória do grupo de Hariri. Nunca nos esqueçamos dos 33 dias de bombardeios realizados por Israel em Beirute e no Sul do Líbano em julho e agosto de 2006, onde morreram quase dois mil libaneses. A o governo moderado e sunita de Siniora pouco ou nada fez. Quem resistiu de armas em punho foram os guerrilheiros do Hezbolláh libanês, entre outros.


Quanto aos resultados propriamente ditos, nada vai se alterar. A oposição – com poder de veto no governo – aumentou de 56 para 57 cadeiras e a situação diminuiu de 69 para 68 cadeiras, sendo que três são independentes. No limite, ficou 71 a 57 votos (44%). A força oposicionista segue grande, mas insuficiente para governar o país. Terá que fazer composição.


Aqui não podemos arriscar palpites, pois as coisas são muito delicadas, frágeis e voláteis na verdade. Podem ser alteradas com rapidez. Mas, fala-se com ênfase na imprensa árabe que é possível que um governo de coalizão nacional seja formado. Aqui se levanta ainda a questão do Hezbolláh seguir tanto com poder de veto no governo como continuar com direito a possuir armas, atuando enquanto grupo de milicianos armados no país. Funcionam como se fossem um exército paralelo.


Se haverá consenso ou não, os próximos dias – talvez semanas e meses – serão decisivos. Até um possível novo primeiro Ministro já se fala. Diversos analistas libaneses indicam o nome de Najib Mikati, sunita – como determinam os acordos de Taif de 1990 que pôs fim à guerra civil. O sistema eleitoral libanês, fruto desse acordo, divide o parlamento em cotas para todas as confissões religiosas.


Coisas de mais ou menos metade para cristãos e metade para muçulmanos. Dentro dessas metades, tem quase uma dezena de ramificações. Grosso modo, os cristãos têm 64 cadeiras e os muçulmanos outras 64. A divisão entre cristãos é assim acordada: 34 maronitas; 14 gregos ortodoxos; 8 gregos católicos; 5 armênios ortodoxos; e um para armênios católicos, protestantes e outros cristãos. Entre os muçulmanos, são 27 para xiitas e sunitas, 8 para drusos e 2 para alauitas.


Mas não devemos nos iludir que o problema libanês é religioso. Como nunca foi o conflito entre palestinos e israelenses, como tenho me batido sempre neste espaço. É um conflito eminentemente político, por vezes até ideológico. Os sunitas libaneses, mais ligados aos americanos, sem capacidade de enfrentar Israel frontalmente, no Iraque são os que resistem à invasão americana. E vice-versa com relação aos xiitas.


No Líbano estes dão combate à Israel e aos americanos e no Iraque eles governam com o apoio dos Estados Unidos. Entre cristãos, existem os de extrema direita como a Falange, de Jumblat, como do mencionado general patriota Aoun. Até cristãos armênios integraram a coligação mais avançada.


Aqui um fator novo entrou em cena. Chama-se Barak Hussein Obama, presidente dos Estados Unidos. Este tem feito um discurso de mão estendida para o Irã, para o mundo muçulmano e tem enfatizado a solução de dois estados para o conflito na Palestina. Ou seja, tem conseguido ganhar consciências desde a campanha, usando o trunfo de primeiro negro a governar os Estados Unidos, como tem ganhado consciências com suas propostas, em alguns aspectos progressistas, se compararmos à era Bush.


Nesse contexto, estar mais próximo dos Estados Unidos não seria tão ruim assim como em passado recente. Na sua primeira entrevista dada depois do anúncio dos resultados eleitorais, Saad Hariri, falando ao Financial Times adota de pronto, tom conciliador. Coloca-se à disposição para ser primeiro Ministro, mas não fará disso um “cavalo de batalha”. Não toca nos assuntos nevrálgicos que são o desarmamento do Hezbolláh e o seu poder de veto nas decisões de governo. Fala genericamente em governo de União Nacional.


Esse é um contexto que os grupos progressistas devem saber navegar, ver contradições mesmo no campo dos adversários, procurar ganhar aliados para as propostas mais avançadas e que recoloquem o Líbano nas mãos dos libaneses que reforcem a vocação árabe desse importante e estratégico país do Oriente Médio. Virar as costas para o Oriente e voltar-se para o Ocidente não será, seguramente, a melhor política a ser adotada.


Comemoração


Comemora-se aniversários quando se completam anos e geralmente festas se fazem com números redondos (cinco anos, dez anos). Completamos em 28 de março passado, 7 anos de coluna. Não é um ano “redondo” a ser festejado. Mas, esta coluna é de número 350. Uma marco a ser comemorado. Agradeço aos meus leitores e leitoras fieis nesses anos todos.


*Lejeune Mirhan, Presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, Escritor, Arabista e Professor Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa, Membro da International Sociological

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