Por Chádia Kobeissi*
Nas recentes eleições no Líbano, a coalizão de oposição denominada 08 de Março, liderada pelo Hezbollah e que inclui cristãos, sunitas e drusos, recebeu 815 mil votos, enquanto a coalizão de direita, intitulada 14 de Marco e liderada por Saad Hariri, que aderiu ao partido em 2005, recebeu 680 mil votos. Ou seja, enquanto o primeiro grupo recebeu 54,5% dos votos, a direita libanesa recebeu 45,5%. Estes números foram publicados oficialmente em todos os jornais do Líbano.
O Jornal “Al Akhbar” publicou um artigo mostrando os números que indicaram que pela maioria do povo do Líbano, a oposição certamente ganharia, não fosse a Lei de 1960, que destina os cargos de acordo com as regiões do país, não pelo número total de votos. Por exemplo, se o grupo 14 de Março ganha 60% dos votos em uma região, os outros 40% da oposição são completamente ignorados, não podendo ser somados com seus votos em outras áreas do país.
Em localizações xiitas, o 14 de Março não teve nem 10% de votos, mas em localizações com habitantes cristãos, ou até sunitas, a oposição conseguiu entre 30% a 40% dos votos. Contudo, tais votos foram ignorados por não ser a maioria. O resultado disso foi menos direito a cadeiras no parlamento para a oposição, que obteve 57 vagas, contra 71 para o 14 de Março.
De acordo com o jornal “Al Akhbar”, já que a maioria do povo prefere a oposição, deveria ser feito um outro tipo de lei, referente a “Qanun Nasbieh”, valorizando cada indivíduo e seu voto. A publicação também diz que isso é um problema para o país, pois dá muitas aberturas para conflitos internos. Uma nação onde a maioria do povo prefere um partido e a Lei de 1960 escolhe outro está sujeita a grandes problemas.
Sobre a capital libanesa, Beirute, um outro problema foi avaliado: 150 mil votos são de famílias sunitas; apenas 30.000 xiitas têm direito de votar em Beirute. Uma desproporção grande em relação a uma área tão importante. Justamente porque cada família vota em seu local de origem, muitos xiitas que votam em locais afastados não viajaram, pois a população libanesa carece de meios econômicos.
No entanto, o partido da direita recebeu milhares de dólares vindos da Arábia Saudita, aliada da América, para, digamos, “influenciar” a decisão.
Subordinação é algo antigo no Líbano.
Como também possuo nacionalidade libanesa, ligaram-me algumas vezes, para, digamos, dar um “empurrãozinho” no meu voto, mas comigo isso não funciona.
As campanhas políticas, tanto do partido da direita quanto da esquerda no Líbano, sempre facilitam para que todos os civis votem, já que o voto não é obrigatório. Ônibus, carros e até uma Mercedes nova com motorista vieram buscar algumas pessoas na porta de suas casas. No entanto, até que isso é válido para dar uma ajudinha. Mas, como fez o partido 14 de Março, trazendo ao Líbano milhares de libaneses, ficou claro que esses votos extras representaram a escolha de libaneses que estão fora, alguns por até 30 anos.
Não foram apenas passagens grátis que fizeram do 14 de Março vencedor, mas também serviços para a comunidade.
De qualquer modo, até agora, a oposição aceitou a lei e a eleição. O clima no Líbano está calmo, não há sinais de conflitos internos. A oposição, que ganhou praticamente em todo o sul do Líbano, em Baabda (onde mora a maioria dos cristãos) e em Baalbek, também agradeceu, acrescentando que a fronteira com Israel é um ponto muito importante para os militantes do Hezbollah.
O secretário-geral do Partido de Deus, Sayyed Hassan Nasrallah, aceitou o resultado das eleições, diferente do que muitos países ocidentais pensavam. Ele encarou as eleições com espírito esportivo. No entanto, será difícil calar o povo, que, oficialmente, votou na sua maioria na oposição.
Para mim, que quase toda minha vida vivi no Brasil, fica difícil entender uma vitória importante como essa, elegida pela minoria do povo. Os números mostram que Nasrallah e sua oposição continuam sendo a paixão nacional.
* Chadia Kobeissi é jornalista, brasileira, e vive no Líbano.
Extraído do IBEI
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