quinta-feira, 23 de abril de 2009

IMPRENSA E RACISMO

Por Omar Nasser Filho*

A chamada “grande imprensa” brasileira virou suas baterias contra o presidente da República Islâmica do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. As críticas, praticamente em uníssono, se deveram à corajosa postura do dirigente iraniano em denunciar, durante a Conferência Internacional de Revisão de Durban II, em Genebra, o racismo israelense contra os palestinos.

As grandes emissoras de televisão do país assumiram o discurso de que a fala de Ahmadinejad “esvaziou” o evento, mostrando a lamentável cena de diplomatas abandonando o recinto do Palácio das Nações, sede do conclave.

O que fizeram as grandes redes de TV brasileiras, secundadas por boa parte da imprensa escrita e falada, foi, de fato, distorcer a realidade, revelando sua parcialidade na cobertura dos conflitos no Oriente Médio e sua cumplicidade com um dos lados da notícia.


Façamos, em primeiro lugar, uma breve análise crítica da postura dos “grandes” veículos de comunicação. Na verdade, as cenas mostradas desmentem o discurso dos apresentadores. Enquanto estes falavam em “esvaziamento” da Conferência, por discordância com Ahmadinejad, percebia-se a maior parte dos presentes acomodados em suas poltronas, assistindo atônitos à retirada dos representantes de apenas alguns países, enquanto discursava o presidente iraniano.

Não foi ressaltado o fato, também, de que, enquanto alguns – pelos motivos que fossem – vaiavam Ahmadinejad, outros o aplaudiam. Outra informação importante omitida pela imprensa brasileira foi que as manifestações nos corredores do edifício que abrigou o evento partiram de organizações sionistas, de quem seria de se esperar inconformidade com o vigoroso discurso do mandatário iraniano.


Além da lamentável postura dominante na mídia, outro ponto focal de nossa atenção é o conteúdo da fala de Ahmadinejad. Ele teve a ousadia de ultrapassar aquilo que, no ocidente, está se transformando em tabu, ou seja, o questionamento crítico das ações do Estado de Israel, especialmente contra a população palestina, e qualificou o regime israelense daquilo que realmente é: racista, além de expansionista e militarista.

De que outra maneira poderíamos qualificar um país onde apenas os judeus de qualquer parte do mundo podem se estabelecer e imediatamente assumir direitos civis, recebendo moradia e trabalho (1) , muitas vezes em território alheio invadido e ocupado militarmente? Um país em que os chamados “não judeus” – ou seja, os árabes palestinos de nacionalidade israelense – são cidadãos de segunda linha, que podem ter suas casas confiscadas a qualquer momento, sem direito a indenização?


De que outra maneira, senão de “racista”, se poderia qualificar um país que se constituiu sobre terra alheia, tomada à força, mediante a ação terrorista de grupos como Haganah, Irgun Zwei Leumi, Lohamei Herut Israel, Gangue Stern e Palmach que invadiam aldeias palestinas nas décadas de 1930 e 1940, assassinando a granada e metralha mulheres e crianças árabes, afugentando a população nativa para dar lugar a “Eretz Israel”?

Até o final da década de 1940, nada menos que 200 aldeias palestinas desapareceram para dar lugar ao que se convencionou chamar de “Israel” (2) .

De que maneira, senão de “racista”, se poderia denominar um país que utiliza armamento proibido pelas convenções internacionais – bombas de fósforo, de dispersão e balas de urânio empobrecido – contra uma população civil em local densamente povoado, como a Faixa de Gaza ou Beirute, capital do vizinho Líbano?

De que maneira, senão de racista, se poderia considerar um país que mantém milhares de mulheres e crianças, além de homens adultos – todos palestinos – encarcerados, sem direito a defesa e sem uma acusação formal?


O racismo do Estado de Israel, contudo, não é algo fortuito, mas jaz na raiz de sua formação. Quando advogou a criação de um “lar nacional judeu”, no final do século XIX, o jornalista húngaro Theodor Herzl, fundador do sionismo – nome dado à ideologia nacionalista judaica – escreveu, no livro “O Estado Judeu”, referindo-se à Palestina: “(...) constituiríamos aí um pedaço de fortaleza contra a Ásia”(3); e mais adiante: “seríamos a sentinela avançada da civilização contra a barbárie” (4).

Ou seja, o movimento sionista, que fundaria Israel cinco décadas mais tarde, em seu nascedouro, é dotado de uma postura de arrogante superioridade, ao mesmo tempo ofensiva e beligerante, dirigida contra um outro – o árabe, em especial o palestino – considerado inferior, “bárbaro”, uma espécie de “não-pessoa” a ser combatida e eliminada.


Estas informações – além de outras fundamentais – são sonegadas à opinião pública brasileira por uma imprensa manipulada e manipuladora. Ao privilegiar apenas um dos lados da notícia, a mídia não deixa apenas clara a sua venalidade e comprometimento com os grandes poderes, mas presta um enorme desserviço aos brasileiros, atentando contra o sagrado direito à informação.

Ao aliar-se ao racismo inerente às ações israelenses contra os palestinos, a imprensa brasileira torna-se cúmplice do preconceito, manchando de forma indelével sua história e abrindo o caminho para o cometimento impune de novos massacres de civis no Oriente Médio por parte de Israel.


* OMAR NASSER FILHO é jornalista, economista e mestre em História. É co-autor do livro “Um diálogo sobre o Islamismo”, Criar Edições, 2003.

NOTAS:

(1) Uma ampla rede legal foi criada pelo estado de Israel para garantir aos cidadãos judeus do novo país um status superior aos “não-judeus”, como a Lei do Retorno, de 1950; as Leis de Emergência – que dizem respeito a propriedades “abandonadas”, isto é, dos palestinos que fugiram diante do terror sionista; a Lei de Propriedade dos Absentistas, também de 1950, apenas para citar algumas. HADI, Mahdi Abdul. A história de Jerusalém. IN: A questão Jerusalém. Brasília (DF): Delegação Especial Palestina no Brasil, 1999, p. 26.
(2) GATTAZ, André. A guerra da Palestina: da criação do Estado de Israel à Nova Intifada. São Paulo: Usina do Livro, 2003, p. 115.
(3) HERZL, Theodor. O Estado judeu. Rio de Janeiro: Garamond, 1998, p. 66.
(4) Id. ibid., p. 66.


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