Por Lejeune Mirhan *
Os jornais dos últimos dias elevaram – artificialmente, claro – o seu noticiário contra o Irã. Trata-se de diversas reuniões que aconteceram desde a semana passada, envolvendo negociações com o governo do Irã e um grupo composto de seis entidades/países. Achei esse tema o mais importante para comentar com meus leitores esta semana.
Como manipular consciências
A política de propaganda nazista, sob o comando de Joseph Goebels, mentia o tempo todo, tentava manipular as consciências da maioria dos alemães. As rádios propagandeavam feitos grandiosos dos nazistas e alardeavam a superioridade da chamada raça “ariana”.
Tudo falso. Demorou para o mundo perceber isso. Um livro famoso, de 1997 que gostei imensamente, intitulado Carrasco voluntários de Hitler, do cientista político norte-americano Daniel Jonah Goldhagen defende a tese de que não seria possível Hitler fazer o que fez, massacrar seis milhões de judeus, sem que tivesse o apoio integral, quase total de todo o povo alemão. Mas, a pergunta que se faz é porque um povo inteiro, ou sua esmagadora maioria, vira nazista assim?
Não é nosso objetivo neste artigo, comentar os motivos disso, mas tratar um pouco da imensa propaganda que a mídia vem fazendo, em plano mundial, reverberada de forma retumbante pela mídia tupiniquim em nosso Brasil, no sentido de tentar convencer o mundo de que o Irã, a República Islâmica do Irã, esta prestes a construir a sua bomba atômica e que ameaça não só Israel – vejam bem – mas também os Estados Unidos.
Semana que passou, li diversos artigos do jornalista Jack Smith, do Asia Times Online. Eu os recebo de uma lista árabe administrada por Amyra El Khalili e com a competente tradução de Caia Fittipaldi. O título geral dos três artigos é EUA-Irã: uma crise inventada.
A publicação dessas três matérias por esse competente jornalista coincide com o início de uma rodada de negociações de representantes do Irã com os EUA, ONU, UE e outros atores internacionais para discutir o programa nuclear iraniano (1).
Desde a posse de Benjamin Netanyahu em março passado, o governo fascista de Israel vem tentando modificar a agenda política internacional e a política externa que Obama iria tentar implementar sobre o Oriente Médio, qual seja, a criação do Estado da Palestina.
O discurso israelense passou a ser sobre o iminente “perigo nucelar iraniano”. Uma mera falácia, todos sabem disso. Mas, aqui temos que levar em conta a força do lobby judaico nos Estados Unidos e sua força ainda maior na mídia internacional, nas agências noticiosas.
Pois bem. Os artigos citados, especialmente o último, faz uma clara comparação com os meses que antecederam à invasão unilateral do Iraque pelas tropas estadunidenses sob ordens diretas de George W. Bush. Quem não se lembra?
O discurso uníssono da mídia internacional era exatamente a do Departamento de Estado e da Defesa dos Estados Unidos, qual seja, de que o Iraque de Saddam Hussein possuía armas de destruição em massa. Ora, sempre soubemos, até o mundo mineral sabe, como diz Élio Gaspari, que quem possui tais armamentos com capacidade de destruir em massa são apenas e tão somente os Estados Unidos. Há anos Saddam não mais possui programa algum nessa linha.Mas, nada mudava a opinião dos que tentam mudar a opinião do povo.
Editoriais, matérias imensas em jornais, entrevistas com o alto escalão do governo, “provas” – todas falsas – iam na linha contrária aos fatos e contrária ao que a vida comprovaria em seguida, após a invasão. Pois bem. Bastou algumas semanas após março de 2003, para que o mundo soubesse toda a verdade: o Iraque não possuía sequer uma arma de destruição em massa!
Mas, não se viu nenhum pedido de desculpas aos leitores, aos ouvintes e aos telespectadores das redes televisadas. Nenhuma linha de texto, nenhuma frase dita nas rádios e nas TVs. O famoso “erramos” nos jornais. Nadinha de nada. Assim age a mídia. E a história se repete. Como disse Marx, desta vez na forma de tragédia (antes pela farsa).
Extratos do artigo de Smith
Como tenho feito, quase que prestando um serviço aos leitores, quero apresentar a seguir, extratos que reporto como os mais importantes da série de três artigos, na linha de reforçar que o Irã não possui armas atômicas, nem esta pretendendo isso.
A bela pesquisa feita pelo jornalista, reforça nosso campo político e ajuda nossa argumentação antiimperialista:
• Segundo Smith, “pode-se estar assistindo hoje, outra vez, a um jogo de apostas geopolíticas no qual nada é o que parece ser;
• Todos os serviços de inteligência dos EUA – e são 12 agências – sabem pelo menos desde 2006, que o Irã estava construindo uma segunda unidade de processamento de urânio na cidade de Natanz.
Tal “descoberta” pela mídia foi dada como novidade e como se o Irã estivesse incrementando o seu programa nuclear rumo à construção da bomba atômica;
• Tal unidade trabalhará única e exclusivamente para a produção de combustível nuclear para abastecer as usinas nucleares do país e nada mais que isso. E a Agência Internacional de energia Atômica da ONU sabe disso e acompanhou todos os passos dessa construção;
• Os inspetores da AIEA sabem disso, possuem filmes de tudo que acontece no interior dessa usina e ela esta em completa conformidade às normas internacionais;
• O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, que a mesma mídia pró-Israel e pró-americana odeia, declarou a quem quis ouvir, que a usina de Natanz não entra em operação antes de 18 meses e ainda assim, depois disso para produzir combustível nuclear para as usinas nucleares do país. Que o Irã, mesmo não sendo signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear – TNP, respeita todas as suas cláusulas como se assinante fosse;
• Não há nenhum sinal de que o Irã planeje “guerrificar” seu programa de capacidade nuclear e produzir bombas atômicas. Todo o programa tem sido submetido a estrita vigilância da AIEA e mesmo dos Estados Unidos. Portanto, nessas circunstâncias, conclui Smith, não há como construir bombas atômicas;
• Israel possui, desde a década de 1970, cerca de 200 ogivas nucleares e nem por isso há qualquer menção da AIEA e dos Estados Unidos. É como se tais bombas – que todos sabem quantas são e onde estão – simplesmente não existissem! E também não é signatário do TNT. Porque dois pesos e duas medidas?
• Porque os EUA podem ter 2.600 ogivas, Israel as suas outras tantas ogivas e o chamado clube militar, composto por nove países com suas milhares de ogivas e nenhum outro país do mundo pode ter as suas próprias?
• A única ameaça, diz Smith, para a existência de Israel vem tão somente dos próprios Estados Unidos. Esse Estado “bandido”, que é Israel no contexto e no concerto das nações, só teria sua existência colocada em xeque se os EUA retirassem seu apoio político, militar e econômico. Não sobreviveria;
• O Irã não suspenderá o processo de enriquecimento de urânio, mas esta pronto a colaborar no que for possível para reduzir toda e qualquer preocupação dos órgãos internacionais e das agências fiscalizadoras internacionais relacionadas à questão nuclear;
• O governo de Obama vem cedendo às pressões dos neoconservadores estadunidenses que exigem punições ao Irã. Tais pressões vem da AIPAC, sigla que em inglês, significa o maior lobby judaico nos EUA (American Israel Public Affairs Commitee);
• A tática dos neocons, como são chamados nos EUA, é impor sanções ao Irã, sob a crença de que isso ajudaria a deteriorar as condições econômicas e sociais do Irã e derrubaria o presidente Ahmadinejad. Nunca nos esqueçamos que, em 12 anos de sanções que a ONU impôs ao Iraque (1991-2003), mais de um milhão de iraquianos morreram por falta de medicamentos, alimentos e por problemas de saneamento, dos quais meio milhão eram crianças!
• Falam que as sanções seriam o mínimo, já sonhando que o “máximo”, seria uma autorização para que Israel ataque frontalmente todas as instalações nucleares iranianas. Esse é o grande sonho dos direitistas, bloqueados até o momento pelo CS da ONU, com ajuda da China e da Rússia;
• Obama cede a essas pressões. Tem dito que chega para as negociações sem “tirar nenhuma alternativa da mesa”, ou seja, deixa no ar que pode ir além de sanções e até autorizar ataques.
Em meu ponto de vista pessoal, uma proposta de sanções, ainda que limitada, ou mesmo ataques, seria vetada pela Rússia e China neste momento;
Os analistas torcem contra Ahmadinejad. Argumentam que ele vive “sob sítio”, cercado pela oposição, mas passados mais de cem dias de sua posse, não há uma prova sequer de que as eleições tenham sido fraudadas.
Ao contrário. Pesquisas mostram elevada popularidade do presidente iraniano;
Uma bela pesquisa
O jornalista Smith fez, de fato, uma bela pesquisa. Que desmonta os argumentos dos propagandistas de Washington, a quem, Obama se subordina. Especialistas em energia nuclear, autoridades mundiais vêm dando declarações enfáticas em linha diametralmente opostas do que Obama e sua entourage vem falando.
Vejam as melhores passagens, constantes do terceiro e último artigo:
• Dennis Blair, diretor da Agência Nacional de Inteligência dos EUA – o público mais ‘interno’ dos ‘públicos internos’ – depôs em audiência no Congresso, em fevereiro deste ano e declarou que não havia qualquer evidência de que o Irã estivesse produzindo o urânio altamente enriquecido necessário para armas nucleares;
• A edição de setembro-outubro do “Boletim dos Cientistas Atômicos” [ing. Bulletin of Atomic Scientists] publicou entrevista com Mohamed El-Baradei, ex-diretor já aposentado da Agência Internacional de Energia Atômica na qual ele diz que “Não encontramos qualquer evidência objetiva de que Teerã tivesse em andamento qualquer programa de armas nucleares. (...) Não sei por que, agora, fala-se do programa nuclear do Irã como se fosse uma ameaça ao mundo”. E prossegue Baradei: “Em vários sentidos, acho que a ameaça foi inflada. Sim, há motivo para nos preocupar com as futuras intenções do Irã; e o Irã deve ser mais transparente com a IAEA e a comunidade internacional (...). Mas a ideia de que acordaremos amanhã, e o Irã terá uma bomba atômica, não tem base real nem decorre de fato algum, até hoje”;
• Na edição de 21/9 da revista Newsweek, lê-se que “as discussões sobre o objetivo do programa nuclear secreto do Irã esquentaram tanto, que funcionários da ONU têm visto similitudes entre o atual momento e os dias que antecederam a invasão do Iraque, em termos da proliferação de informação distorcida. Em mensagem privada de e-mail, da semana passada, à qual Newsweek teve acesso, Tariq Rauf, alto funcionário sênior da Agência Internacional de Energia Atômica da ONU, escreveu que a mídia dominante está repetindo os erros que cometeu em 2003, quando [os grandes jornais e redes de televisão] divulgaram ‘histórias sem qualquer comprovação nem fundamento, sobre o Iraque e as armas de destruição em massa.
Hoje, estão fazendo exatamente o mesmo, sobre a IAEA e o Irã’. E Rauf acrescentava que ‘a escalada no teor das mensagens parece vir de algumas fontes (conhecidas)’” (Newsweek http://www.newsweek.com/id/215317). Mesmo que a tal mensagem de correio eletrônico não especifique as tais “fontes”, ela vem diretamente do serviço secreto de Israel;
• Dia 22/2, o diário indiano de grande circulação The Hindu informou que “o Irã não enriqueceu o urânio para finalidades bélicas, informaram os inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica”.
• A agência noticiosa Austrian Press distribuiu citação de um dos especialistas da IAEA, na qual se lê que todo o urânio que o Irã produziu na usina de enriquecimento em Natanz está cuidadosamente catalogado; e a produção é acompanhada por filmadoras de controle remoto instaladas para vigiar constantemente os estoques. “Se os iranianos tentarem transportar esses produtos de urânio para alguma locação secreta para submetê-los a reprocessamentos de qualquer tipo, os inspetores da agência saberão”. O mesmo especialista acrescentou que “até o presente, o Irã tem trabalhado em bons termos de cooperação conosco, em todas as inspeções importantes”.
• Outra agência de notícias, a France-Presse noticiou, dia 20/9, que “o supremo líder do Irã, aiatolá Ali Khamenei, rejeitou hoje a acusação ocidental de que Teerã trabalha para desenvolver armas nucleares em programa oculto; e repetiu que a República Islâmica proíbe esse tipo de atividade.
“Assacam falsas acusações contra o Irã, de produzir armas nucleares. Rejeitamos fundamentalmente as armas nucleares e proibimos a produção e o emprego de armas nucleares” – disse Khamenei, em discurso divulgado por televisão estatal. “Eles próprios sabem que mentem (...), mas é parte da política de incentivar a islamofobia, que rege o comportamento político desse arrogante governo norte-americano”.
Ou seja, mesmo que o maior líder religioso do Irã, mesmo que os princípios da religião islâmica não permitam a criação de uma arma que mata milhões, a propaganda americana e sionista insiste em que o Irã tem a bomba e quer mesma construí-la de qualquer forma.ConclusõesAcredito fielmente no que diz a República Islâmica do Irã. Não tem e não querem produzir a bomba. Mas, defendem que todos se desarmem. Essa é a questão chave.
Porque Israel pode ter e o mundo inteiro não pode? Porque o Irã sem bomba é ameaça e Israel com 200 bombas não é ameaça? Não aceitamos dois pesos e duas medidas. Isso só aumento o sentimento antiamericano em todo o mundo e não constroi um mundo novo.
Como diz Smith, o Irã não é ameaça nem para Israel, nem para os Estados Unidos e menos ainda para o mundo árabe sunita. O Irã não quer colocar em risco a estabilidade do regime islâmico com privações advindas de eventuais sanções que poderiam passar no CS da ONU. Não querem passar o que o Iraque passou em 12 anos.
É provado historicamente que o Irã nunca iniciou uma guerra nos últimos 200 anos. Entre 1980 e 1988 foi implacavelmente atacado pelo Iraque, à época armado pelos EUA. Não querem viver isso novamente. Há uma fraseologia mais radical e até mesmo revolucionária que vem de Ahmadinejad e do conjunto do governo islâmico. Os EUA continuam sendo o “grande satã”. Mas, a linha do país é defensiva e nunca foi agressiva.
Semana retrasada eles testaram um míssil que atinge um raio de dois mil quilômetros e pode atingir Israel. A mídia sionista e pró-americana estampa fotos do míssil em suas primeiras páginas de seus jornalões. Quer transmitir pânico para as pessoas.
De minha parte, confesso que vibro quando um país de terceiro mundo, ou emergente, desafiando tudo e todos, as potências, teste o seu míssil construído com sacrifícios e que servirá para pesquisas espaciais, para colocar amanhã ou depois seus satélites em órbita. Ou mesmo em questões defensivas, para proteger as suas fronteiras de ataques hostis.
O Irã não se dobrará ás pressões. Devemos apoiar com firmeza o seu programa nuclear para fins científicos e energéticos. Assim como o Brasil, o Irã demonstra que quer a paz. Mas a paz justa, duradoura e que as regras que valem para a República Islâmica, devam valer também para o estado judeu e sionista de Israel.
Nota(1) Essa sequência de artigos pode ser lida nos seguintes endereços:EUA-Irã:
Uma crise inventada Os fatos
EUA-Irã: Uma crise inventada Sanções! Sanções! Sanções!
O argumento do Irã
* Presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, escritor, arabista e professor. Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa e da International Sociological Association.
Um comentário:
Adorei este artigo. Está de Parabéns!
Estou fazendo um debate escolar a esse respeito e pude encontrar informações interessantíssimas sobre o assunto.
Jéssica Pereira
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